AS LÁGRIMAS DO POETA
Um poeta barroco disse:
As palavras são
As línguas dos olhos
Mas o que é um poema
Senão
Um telescópio do desejo
Fixado pela língua?
O voo sinuoso das aves
As altas ondas do mar
A calmaria do vento:
Tudo
Tudo cabe dentro das palavras
E o poeta que vê
Chora lágrimas de tinta
In “O Pavão Negro”
Assírio & Alvim - 2003
Ana Hatherly
(1929-2015)
A PALAVRA-ESCRITA
A palavra-escrita
é um labor arcaico:
sulca enigmas
venda e desvenda
o sentido do gesto
É uma imagem detida
recolhida do mais fundo cinema íntimo
onde o verdadeiro
é um ser invisível
O cinema do mundo está aí
onde houver ilusão
onde houver vontade de ver
mesmo que seja só o nada
In “O Pavão Negro”
Assírio & Alvim
Ana Hatherly
(1929-2015)
O POETA É UM GUARDADOR
o poeta é um guardador
guarda a diferença
guarda da indiferença
no incerto
guarda a certeza da voz
In "Um Calculador de Improbabilidades"
Quimera Editores
Ana Hatherly **
(1927-2015)
** Pseudónimo de Ana Maria de Lourdes Rocha Alves
O ECO DE MIL SINOS DE PRATA
O eco de mil sinos de prata
emudece
ante o labor da aranha
O tempo emudece
na cegueira do ar
na sua geografia nula
Que queres de mim
matéria insensível?
Nas coisas conhecidas
o verbo ser
emudece
In “O Pavão Negro”
Editores Assírio & Alvim
Ana Hatherly
N. 1929
O DECIFRADOR DE IMAGENS
O decifrador de imagens
persegue um fantasma de vestígios
como Ulisses amarrado
ao querer do conhecer
A descoberta é invenção provisória:
as vozes não se vêem
o que se vê não se ouve
A imaginação
ergue-se do arrepio da sombra
guerrilha entre parênteses
ergue-se da constante chacina
procurando outra coisa
outra causa
o outro lado do ver
In “O Pavão Negro”
Editora Assírio & Alvim
Ana Hatherly
N. 1929
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