OLHO À VOLTA
Olho à volta
em flecha sobre as coisas
à procura desse ladrão excepcional
que me roubou o livro inventado
pra me poupares o coração
à mágoa dos vivos
mas sei que é inútil
trago em alvo
apenas alfaias dométicas
com que trabalho a terra
aquela que escolhi
e sei que é inútil porque o mal tem asas
e só o vento nos salva
e nos transporta
ao lugar da árvore
junto ao rio onde me banharei três vezes
até que o galo cante
e me lembre do meu pai
a quem devo ceia e roupa branca
Quasi Edições
Ana Paula Inácio
1966
AS DANÇAS NO TELHADO
Antigamente era fechar os olhos
e esperar,
ou olhar um olhar
e estremecer de sonho.
Bailarino invadindo:
o verso em pirueta
no telhado,
em palco rodeado por três lados
mas aberto imenso.
Ou era o arco tenso
ameaçando
a flecha mais certeira.
Se eu fosse um dia agora
essa maneira
de ao desviar ser centro—
In "Às vezes o paraíso" – Quetzal Editores – 1998
Ana Luísa Amaral
N. 1956
ANO NOVO
Transformem-se:
os canhões
em carrilhões de catedral.
As metralhadoras
em sinos de aldeia.
As granadas
em órgãos de capela.
Os tanques
em tractores.
O frio
em calor.
O ódio
em amor.
A indiferença
em cooperação.
As mãos que destroem
em mãos que constroem.
Que a Catedral
deste Natal
perdure todo o ano.
Que o Homem
seja um verdadeiro irmão
dos outros homens.
Que a mão
só se levante,
para ajudar outras mãos.
Que nunca mais se busque
justificação para matar
qualquer irmão
e muito menos, qualquer Criança.
Que o Ano Novo
seja concretização
da nossa Esperança.
In "Fala a Meus Amigos" – Edição da Autora – 1977 – Lisboa
Ana Bela Pita da Silva
N. 1939
AS TUAS MÃOS
Se tu soubesses
que tudo o que de mais alto
poderás ambicionar,
está ao alcance das tuas mãos.
Se tu soubesses
que a razão máxima
da existência das tuas mãos,
é encontrar outras mãos.
Se tu soubesses
quanta divindade
ganham as tuas mãos,
quando acariciam.
Se tu soubesses
compreender estas verdades
nunca vazias
tuas mãos fecharias.
In "Fala a Meus Amigos" – Edição da Autora – 1977 – Lisboa
Ana Bela Pita da Silva
N. 1939
ERA ASSIM
Era assim:
queres?
queres algo?
queres desejar?
desejas querer?
desejas-me?
desejas querer-me?
queres desejar-me?
queres querer-me?
queres que te deseje?
desejas que te queira?
queres que te queira?
quanto me
queres?
quanto me
desejas?
ah quanto te quero
quando te quero
quando me queres...
In "Um calculador de improbabilidades" – Quimera – 2001
Ana Hatherly
N. 1929
REFLEXOS
Olho-te pelo reflexo
Do vidro
E o coração da noite
E o meu desejo de ti
São lágrimas por dentro,
Tão doídas e fundas
Que se não fosse:
o tempo de viver;
e a gente em social desencontrado;
e se tivesse a força;
e a janela ao meu lado
fosse alta e oportuna,
invadia de amor o teu reflexo
e em estilhaços de vidro
mergulhava em ti.
In "Anos 90 e Agora" – Quasi Edições
Ana Luísa Amaral
N. 1956
MENINOS
Menino
de pé calçado.
Menino
de pé descalço.
Menino
bem vestido.
Menino
esfarrapado.
Menino
de sua mãe.
Menino
que nem mãe tem.
Para quê separá-los?
Para quê barrá-los
com nossos ódios?
Olhai-os bem nos olhos
e vejam
vejam
que são apenas
Meninos.
Ana Bela
IN "Fala a Meus Amigos"
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