SEUS OLHOS
Seus olhos - se eu sei pintar
O que os meus olhos cegou
Não tinham luz de brilhar.
Era chama de queimar;
E o fogo que a ateou
Vivaz, eterno, divino,
Como facho do Destino.
Divino, eterno! - e suave
Ao mesmo tempo: mas grave
E de tão fatal poder,
Que, num só momento que a vi,
Queimar toda alma senti...
Nem ficou mais de meu ser,
Senão a cinza em que ardi.
In “Folhas Caídas – Livro Segundo”
Almeida Garrett
(1799-1854)
A BELA INFANTA
Estava a bela infanta
No seu jardim assentada,
Com o pente de oiro fino
Seus cabelos penteava
Deitou os olhos ao mar
Viu vir uma nobre armada;
Capitão que nela vinha,
Muito bem que a governava.
- "Dize-me, ó capitão
Dessa tua nobre armada,
Se encontraste meu marido
Na terra que Deus pisava."
- "Anda tanto cavaleiro
Naquela terra sagrada...
Dize-me tu, ó senhora
As senhas que ele levava."
- "Levava cavalo branco,
Selim de prata doirada;
Na ponta da sua lança
A cruz de Cristo levava."
- "Pelos sinais que me deste
Lá o vi numa estacada
Morrer morte de valente:
Eu sua morte vingava."
- "Ai triste de mim viúva,
Ai triste de mim coitada!
De três filhinhas que tenho,
Sem nenhuma ser casada!..."
- "Que darias tu, senhora,
A quem no trouxera aqui?"
- "Dera-lhe oiro e prata fina
Quanta riqueza há por í."
- "Não quero oiro nem prata,
Não nos quero para mi':
Que darias mais, senhora,
A quem no trouxera aqui?"
- "De três moinhos que tenho,
Todos os três tos dera a ti;
Um mói o cravo e a canela,
Outro mói do gerzeli:
Rica farinha que fazem!
Tomara-os el-rei para si."
- "Os teus moinhos não quero,
Não os quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem to trouxera aqui?"
- "As telhas do meu telhado,
Que são de oiro e marfim."
- "As telhas do teu telhado
Não nas quero para mi":
Que darias mais, senhora,
A quem no trouxera aqui?"
- "De três filhas que eu tenho
Todas três te dera a ti:
Uma para te calçar,
Outra para te vestir
A mais formosa de todas
Para contigo dormir."
- "As tuas filhas, infanta,
Não são damas para mi':
Dá-me outra coisa, senhora,
Se queres que o traga aqui."
- "Não tenho mais que te dar.
Nem tu mais que me pedir."
- "Tudo não, senhora minha.
Que inda não te deste a ti."
- "Cavaleiro que tal pede,
Que tão vilão é de si,
Por meus vilãos arrastado
O farei andar por aí
Ao rabo do meu cavalo
À volta do meu jardim.
Vassalos, os meus vassalos,
Acudi-me agora aqui!"
- "Este anel de sete pedras
Que eu contigo reparti...
Que é dela a outra metade?
Pois a minha, vê-la aí!"
- "Tantos anos que chorei,
Tantos sustos que tremi!...
Deus te perdoe, marido,
Que me ias matando aqui."
In “Romanceiro e Cancioneiro Geral”
Almeida Garrett
(1799-1854)
DESTINO
Quem disse à estrela o caminho
Que ela há-de seguir no céu?
A fabricar o seu ninho
Como é que a ave aprendeu?
Quem diz à planta «Floresce!»
E ao mudo verme que tece
Sua mortalha de seda
Os fios quem lhos enreda?
Ensinou alguém à abelha
Que no prado anda a zumbir
Se à flor branca ou à vermelha
O seu mel há-de ir pedir?
Que eras tu meu ser, querida,
Teus olhos a minha vida,
Teu amor todo o meu bem...
Ai! não mo disse ninguém.
Como a abelha corre ao prado,
Como no céu gira a estrela,
Como a todo o ente o seu fado
Por instinto se revela,
Eu no teu seio divino
Vim cumprir o meu destino...
Vim, que em ti só sei viver,
Só por ti posso morrer.
In “Folhas Caídas – Livro Primeiro”
Almeida Garrett
(1799-1854)
GOZO E DOR
Se estou contente, querida,
Com esta imensa ternura
De que me enche o teu amor?
Não. Ai não; falta-me a vida;
Sucumbe-me a alma à ventura:
O excesso de gozo é dor.
Dói-me alma, sim; e a tristeza
Vaga, inerte e sem motivo,
No coração me poisou.
Absorto em tua beleza,
Não sei se morro ou se vivo,
Porque a vida me parou.
É que não há ser bastante
Para este gozar sem fim
Que me inunda o coração.
Tremo dele, e delirante
Sinto que se exaure em mim
Ou a vida ou a razão.
In “Folhas Caídas – Livro Primeiro”
Almeida Garrett
(1799-1854)
VIBORA
Como a víbora gerado,
No coração se formou
Este amor amaldiçoado
Que à nascença o espedaçou.
Para ele nascer morri;
E em meu cadáver nutrido,
Foi a vida que eu perdi
A vida que tem vivido.
In “Folhas Caídas – Livro Primeiro”
Almeida Garrett
(1799-1854)
O MAR
III
Vae-se acclarando agora o firmamento,
E azulando-se o mar co’a luz nascente
Do primeiro, tenuissimo crepusculo.
Eil-a que assoma, despontando apenas
C’os roseos dedos, a formosa aurora
Vem brandamente a desparzir no polo
As roxas, lindas flores, rociadas
Do matutino, bemfazejo orvalho,
Talvez por mãos dos zephyros colhidas
Nos jardins Ulysseos, nas brandas veigas
Ao remanso do placido Mondego...
Talvez ontem ainda a minha amada
Lhe respirasse o lisongeiro aroma...
Oh! recolhei-as, amorosas filhas
Do placido Nereu, ide nos collos
Dos Tritões namorados, ide ao Tejo
E ao manso rio que ingrossaram prantos
Da malfadada Ignez, ide, levae-lh’as
Aos do meu coração, o amigo, a amante:
Dizei-lhes que eu, eu sou que vos invio.
Que depóz vós o coração me foge,
E que so vivo nas memorias delles.
Ide ligeiras, sim, correi, à nynphas...
Mas oh! do patrio meu Douro sombrio
Ai! não, não vades demandar as praias...
Amargosa e cruel me veda a sorte
Recordal-o sem dor... Ferreas angústias
Lá misero soffri... lá n’este peito
Verteu perversa mão do deus dos males
Quanto fel espremeu do peito ás furias,
Quanto veneno lhe escumou dos labios.
A ingrata... Ah! nunca mais me lembre o Douro:
Suas riquezas para si que as guarde.
Suas aguas turvas impetuoso as role
Por entre as calvas penedidas brutas
Que a lobrega torrente lhe comprimem:
Va, que a mim saudades não m’as deixa:
So tormentos me deu, não posso amal-o…
In “Flores sem Fructo” - Livro Primeiro
Imprensa Nacional – 1845
Almeida Garrett
(1799 - 1854)
Mantem a grafia original
NÃO TE AMO
Não te amo, quero-te: o amar vem d’alma.
E eu n´alma – tenho calma,
A calma do jazigo.
Ai!, não te amo, não.
Não te amo, quero-te: o amor é vida.
E a vida – nem sentida
A trago eu já comigo.
Ai!, não te amo, não!
Ai! não te amo, não; e só te quero
De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora,
Não chega ao coração.
Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.
Quem ama a aziaga estrela
Que lhe luz na má hora
Da sua perdição?
E quero-te, e não te amo, que é forçado.
De mau feitiço azado
Este indigno furor.
Mas oh! Não te amo, não.
E infame sou, porque te quero; e tanto
Que de mim tenho espanto,
De ti medo e terror…
Mas amar!… não te amo, não.
In “Folhas Caídas”
Almeida Garrett
1799 - 1854
. Mais poesia em
. Eu li...
. Recordando... Almeida Gar...
. Recordando... Almeida Gar...
. Recordndo... Almeida Garr...
. Recordando... Almeida Gar...
. Recordando... Almeida Gar...