GOZO E DOR
Se estou contente, querida,
Com esta imensa ternura
De que me enche o teu amor?
Não. Ai não; falta-me a vida;
Sucumbe-me a alma à ventura:
O excesso de gozo é dor.
Dói-me alma, sim; e a tristeza
Vaga, inerte e sem motivo,
No coração me poisou.
Absorto em tua beleza,
Não sei se morro ou se vivo,
Porque a vida me parou.
É que não há ser bastante
Para este gozar sem fim
Que me inunda o coração.
Tremo dele, e delirante
Sinto que se exaure em mim
Ou a vida ou a razão.
In “Folhas Caídas – Livro Primeiro”
Almeida Garrett
(1799-1854)
VIBORA
Como a víbora gerado,
No coração se formou
Este amor amaldiçoado
Que à nascença o espedaçou.
Para ele nascer morri;
E em meu cadáver nutrido,
Foi a vida que eu perdi
A vida que tem vivido.
In “Folhas Caídas – Livro Primeiro”
Almeida Garrett
(1799-1854)
O MAR
III
Vae-se acclarando agora o firmamento,
E azulando-se o mar co’a luz nascente
Do primeiro, tenuissimo crepusculo.
Eil-a que assoma, despontando apenas
C’os roseos dedos, a formosa aurora
Vem brandamente a desparzir no polo
As roxas, lindas flores, rociadas
Do matutino, bemfazejo orvalho,
Talvez por mãos dos zephyros colhidas
Nos jardins Ulysseos, nas brandas veigas
Ao remanso do placido Mondego...
Talvez ontem ainda a minha amada
Lhe respirasse o lisongeiro aroma...
Oh! recolhei-as, amorosas filhas
Do placido Nereu, ide nos collos
Dos Tritões namorados, ide ao Tejo
E ao manso rio que ingrossaram prantos
Da malfadada Ignez, ide, levae-lh’as
Aos do meu coração, o amigo, a amante:
Dizei-lhes que eu, eu sou que vos invio.
Que depóz vós o coração me foge,
E que so vivo nas memorias delles.
Ide ligeiras, sim, correi, à nynphas...
Mas oh! do patrio meu Douro sombrio
Ai! não, não vades demandar as praias...
Amargosa e cruel me veda a sorte
Recordal-o sem dor... Ferreas angústias
Lá misero soffri... lá n’este peito
Verteu perversa mão do deus dos males
Quanto fel espremeu do peito ás furias,
Quanto veneno lhe escumou dos labios.
A ingrata... Ah! nunca mais me lembre o Douro:
Suas riquezas para si que as guarde.
Suas aguas turvas impetuoso as role
Por entre as calvas penedidas brutas
Que a lobrega torrente lhe comprimem:
Va, que a mim saudades não m’as deixa:
So tormentos me deu, não posso amal-o…
In “Flores sem Fructo” - Livro Primeiro
Imprensa Nacional – 1845
Almeida Garrett
(1799 - 1854)
Mantem a grafia original
NÃO TE AMO
Não te amo, quero-te: o amar vem d’alma.
E eu n´alma – tenho calma,
A calma do jazigo.
Ai!, não te amo, não.
Não te amo, quero-te: o amor é vida.
E a vida – nem sentida
A trago eu já comigo.
Ai!, não te amo, não!
Ai! não te amo, não; e só te quero
De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora,
Não chega ao coração.
Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.
Quem ama a aziaga estrela
Que lhe luz na má hora
Da sua perdição?
E quero-te, e não te amo, que é forçado.
De mau feitiço azado
Este indigno furor.
Mas oh! Não te amo, não.
E infame sou, porque te quero; e tanto
Que de mim tenho espanto,
De ti medo e terror…
Mas amar!… não te amo, não.
In “Folhas Caídas”
Almeida Garrett
1799 - 1854
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