AUTO-RETRATO
O’Neill (Alexandre), moreno português,
cabelo asa de corvo; da angústia da cara,
nariguete que sobrepuja de través
a ferida desdenhosa e não cicatrizada.
Se a visagem de tal sujeito é o que vês
(omita-se o olho triste e a testa iluminada)
o retrato moral também tem os seus quês
(aqui, uma pequena frase censurada...)
No amor? No amor crê (ou não fosse ele O’Neill!)
e tem a veleidade de o saber fazer
(pois amor não há feito) das maneiras mil
que são a semovente estátua do prazer.
Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se
do que neste soneto sobre si mesmo disse…
In “Poesias Completas”
Assírio & Alvim
Alexandre O’Neill
(1924-1986)
SONETOS GARANTIDOS
Sonetos garantidos por dois anos.
E é muito já, leitor que mos compraste
para encontrar a alma, que trocaste
por rádios, frigoríficos, enganos…
Essa tristeza sobre pernas faz-te
temeroso e cruel e tonto e traste.
Nem pior nem melhor que outros fulanos,
não vês a Bomba e crês nos marcianos…
E é para ti que escrevo, é para ti
que um verso lanço – ó mão – como o destino,
nel’ ponho mesura, desatino,
rasgo, invenção, lugar-comum, protesto?
Antes para soldado ou para resto,
escroto de velho, ronco de suíno…
In “Abandono Vigiado”
Guimarães Editores
Alexandre O’Neill
1924 – 1986
AMIGO
Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «amigo».
«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
«Amigo» (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!
«Amigo» é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.
«Amigo» é a solidão derrotada!
«Amigo» é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!
In “No Reino da Dinamarca”
Guimarães Editores
Alexandre O’Neill
1924 – 1986
. Mais poesia em
. Eu li...
. Recordando... Alexandre O...
. Recordando... Alexandre O...
. Recordando... Alexandre O...