PRESÍDIO
Tenho séculos submersos no teu corpo.
Apalpo a trovoada despida no olhar,
há aves que voam rente ao tempo cruel
relampejando geadas inesperadas.
Há abismos insurrectos
a transbordar champanhe nocturno.
Bebo o sorriso afogado
em luminosos cálices de trevas,
escuto chicotes ungindo labaredas
nos canais sombrios da alma.
Tenho séculos submersos no teu corpo.
Não sei como selar a decepção
que arde nos sulcos do desespero.
Colocaste-me grades na boca,
é insuportável o sangue descalço
que dança nuvens na garganta.
Trouxeste nos gestos ogivas lancinantes
a transplantar milénios de abandono.
Desmorono-me em silêncio
perseguido pelo assédio atómico
que flutua no encanto.
Anoitece em mim,
surtos desolados
escavam neblina na eternidade,
tudo grita o fim.
In "O áspero hálito do amanhã"
Edium Editores
Alberto Pereira
N. 1970
O HOMEM CAÍDO
Alugam-se quartos na memória.
Os neurónios mobilados
com pensamentos carnívoros,
babam máscaras
na castração mental.
Rangem aflições
no metropolitano cardíaco,
chegam carruagens ácidas
ao apeadeiro corporal.
Nas veias descem cicatrizes
decotadas de madrugada
e os homens caídos
rendilham o sangue sulcados na desolação.
In "O Áspero Hálito Do Amanhã"
Edium Editores
Alberto Pereira
N. 1970
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