O MAR AGITA-SE, COMO UM ALUCINADO
O Mar agita-se, como um alucinado:
A sua espuma aflui, baba da sua Dor...
Posto o escafandro, com um passo cadenciado,
Desce ao fundo do Oceano algum mergulhador.
Dá-lhe um aspecto estranho a campânula imensa:
Lembra um bizarro Deus de algum pagode indiano:
Na cólera do Mar, pesa a sua Indiferença
Que o torna superior, e faz mesquinho o Oceano!
E em vão as ondas se lhe enroscam à cabeça:
Ele desce orgulhoso, impassível, sem pressa,
Com suprema altivez, com ironias calmas:
Assim devemos nós, Poetas, no Mundo entrar,
Sem nos deixarmos absorver por esse Mar
– Pois a Arte é, para nós, o escafandro das Almas!
In "Bíblia do Sonho - Pores-de-Sol"
Alberto de Oliveira
(1873-1940)
MISSAL DO POENTE
Às tardes. Cai o sol por trás de Santa Clara,
numa rubra explosão hilariante de cores:
pelo Mondego azul, passam barcos à vara,
onde, a cantarolar, avisto os Pescadores.
Do céu pérola, onde há uns laivos purpurinos,
cai uma doce luz, pacífica, serena...
Os choupos cortam no ar uns rendilhados finos,
transparentes, subtis, como um desenho à pena.
E, enquanto a Lua vem branqueando no horizonte,
o comboio, a correr, passa na velha ponte,
surge de entre um maciço escuro de salgueiros.
E eu, tristemente, como um solitário monge,
lembro a Pátria, a Família, os meus Amigos longe
e, com saudade, agito o lenço aos passageiros!
In "A saudade na Poesia portuguesa"
Portugália Editora - 1967
Alberto de Oliveira
(1873-1940)
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