ORAÇÃO
Sol, meu tesouro e luz dos meus sentidos,
O Sol da minha terra.
Sol a que meu espectro à flor dos campos erra,
E os cavadores cantam sucumbidos,
Terrosos como corpo em sepultura.
Seu destino fatal de imperfeição e agrura!
Ó elegias do Sol caindo no horizonte!
Rostos cristãos, os cavadores,
Rompe do saibro a sua fronte,
Rios são água de suores.
Sol, esposo da Terra, e Sol, meu pai dos Céus,
A ti respeito, adoração!
Hoje sacra harmonia, antes Apolo pagão.
Homens dos homens somos réus.
In “Rapsódia do Sol-Nado e Ritual do Amor”
Renascença Portuguesa
Afonso Duarte
(1884-1958)
CANÇÃO DO NU
Lindo
Mármore precioso que na alcova
Surpreendi dormindo!
E lindo
À luz dum fósforo, acendido a medo,
Despertou sorrindo.
E, lindo,
Dos olhos as meninas me saltaram
Para o nu que se estava descobrindo.
Linda!
Ficou-se ao desgasalho adormecida,
Ai vida,
Como ainda não vi coisa tão linda.
Linda,
Braços abertos em desnudo amplexo,
Seu corpo era uma púbere mendiga,
E ele é que estava pedindo,
Lindo,
O meu sexo.
In “Contemporanea”
Director – José Pacheco
Ano I – Volume III – Nº.9 Ano 1923
Afonso Duarte
(1884 – 1958)
CABELOS BRANCOS
Cobrem-me as fontes já cabelos brancos,
Não vou a festas. E não vou, não vou.
Vou para a aldeia, com os meus tamancos,
Cuidar das hortas. E não vou, não vou.
Cabelos brancos, vá, sejamos francos,
Minha inocência quando os encontrou
Era um mistério vê-los: Tive espantos
Quando os achei, menino, em meu avô.
Nem caiu neve, nem vieram gelos:
Com a estranheza ingénua da mudança,
Castanhos remirava os meus cabelos;
E, atento à cor, sem ter outra lembrança,
Ruços cabelos me doía vê-los...
E fiquei sempre triste de criança.
In "Ossadas" – 1947
Afonso Duarte
1884 – 1958
PROVENÇAL
Em um solar de algum dia
Cheiinho de alma e valia,
Foi ali
Que ao gosto de olhos a vi
Como dantes inda vasto
Agora
Não tinha pombas nem mel.
E à opulência de outrora,
Esmoronado e já gasto,
Pedia mãos de alvenel.
Foi ali
Que ao gosto de olhos a vi.
O seu chapéu, que trazia
Do calor contra as ardências,
Era o que a pena daria
Num certo sabor e arrimo
Com jeitos de circunferências
A morrer todas no cimo.
Davam-lhe franco nos ombros
As pontas do lenço branco:
E sem que ninguém as ouça,
Eram palavras da moça
Com a voz alta de chamar;
Palavras feitas em gesto,
Igualzinho e manifesto,
Como um relance de olhar.
E bela, fechada em gosto,
Fazia o seu rosto dela
A gente mestre de amar.
Foi num solar de algum dia,
Cheiinho de alma e valia,
Que eu disse de mim para ela
Por este falar assim:
Vem, meu amor!
E os dois iremos juntos pelos montes;
E o Sol abençoará, nosso tesoiro,
A seara, o pão da terra, o trigo loiro,
E como nós hão-de falar as fontes.
Vem, meu amor!
E terás os meus cantos, o que eu valho;
Vem: serás do meu sangue e meu suor!
Dê-me beijos e graça o teu amor
E encherás de ternura o meu trabalho.
Vem, meu amor!
E o fim do nosso dia, o sol poente,
Sem más obras na mente e coração,
Há-de sorrir à nossa casa, à gente.
Vem, meu amor!
Vem como o Sol doirado quando brilha
De juntinho da terra e em devoção
Ele a beija e fecunda à maravilha.
In "Ritual do Amor"
Afonso Duarte
1884 – 1958
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