ACONTECIMENTO
Tu choravas e eu ia apagando
com os meus beijos os rastos das tuas lágrimas
– riscos na areia mole e quente do teu rosto.
Choravas como quem se procura.
E eu descobria mundos, inventava nomes,
enquanto ia espremendo com as mãos
o meu sangue todo no teu sangue.
Não sei se o mundo existia e nós existíamos, realmente.
Sei que tudo estava suspenso
esperando não sei que grave acontecimento
e que milhares de insectos paravam e zumbiam nos meus sentidos.
Só a minha boca era uma abelha inquieta
percorrendo e picando o teu corpo de beijos.
Depois só dei pela manhã,
a manhã atrevida,
entrando devagar, muito devagar e acordando-me.
Desviei os meus olhos para ti:
ao longo do teu corpo morriam as estrelas.
A noite partira. E, lentamente,
o sol rompeu no céu da tua boca.
In “ÁRVORE ”
Folhas de Poesia
Direcção e Edição de António Luís Moita, António Ramos Rosa,
José Terra, Luís Amaro, Raul de Carvalho
2.º Fascículo - Inverno de 1951
Pág. 98
Albano Martins
(1930-2018)
. Mais poesia em
. Eu li...
. Recordando... Albano Mart...