A UMA ANDORINHA
Nas brisas da tardinha
Pára teu vôo um pouco;
Ouve um poeta, um louco,
– Escuta-me andorinha!
Um pouco deixa os ninhos;
Attende as vãs loucuras,
–Tambem nas sepulturas
Vôam os passarinhos!
Nem sempre o azul ethereo
Quaes flexas vão cortando,
– Também riem, voando,
No chão do cemiterio!
Lavam os pés rosados
Nas urnas funeraes;
–Tu, mesmo, nos telhados
Moras das cathedraes!
Não fujas d'um poeta,
Que ha nuvens mais sombrias!
– Tu já moraste uns dias
No nicho d'um propheta!
Por tanto, tu que adoras
A primavera e o Sul,
Dize-me, – no alto azul,
Quem faz sempre as Auroras!
Quem dá tintas vermelhas
Ao Sol poente que arde?
– Quem coze as nuvens velhas,
E accende o astro da tarde?
Os campos dão renovos
Tambem, n'outras espheras?
– Quem faz as primaveras?
– Quem faz os astros novos?
Quem faz a ave-flor?
Quem tinge o temporal?
– Quem faz a pomba, côr
Do lyrio virginal?
No Sol ha violetas,
E rios, campos, vinhas?
– Dize, se nos planetas?...
Tambem ha andorinhas...
E tu que mais almejas?
Tens sol, astros e ninhos--
Tens tudo o que desejas...
– Luz, grãos, pelos caminhos!
Ó triste ambicionar!
Ó santo e vão delirio!
– Talvez, ó filha do Ar
Quizesses ser um lyrio!
In “Claridades do Sul”
Braz Pinheiro – Editor
Lisboa – 1875
Gomes Leal
1848 – 1921
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