A MÃE
Eu canto-vos, mulher, por que vos tenho visto
Na palpebra vermelha a lagrima d'amôr,
Que vem d'Eva a Maria — a doce mãe de Christo—
Formando a stalactite immensa d'uma dôr!
Oh, quantas vezes já n'aldeia miseravel
Nas tristezas do campo, ás portas dos casaes,
Vos tenho surprehendido, em extasi adoravel,
Em quanto os filhos nús ao peito conchegaes!
A fria noite chega. Os maus, de bocca cheia,
Rebolam-se na terra: ainda pedem pão!
Com elles repartis a vossa parca ceia;
E vendo-os a dormir podeis sorrir então.
D'inverno quasi sempre as noites são mordentes.
Uivam lobos na serra: o vento uiva tambem:
Mas elles vão dormindo os longos somnos quentes,
Em quanto a vil insomnia opprime a pobre mãe!
Tendes sustos crueis. Temendo que lhes caia
A roupa que os abafa, aos pobres acudis;
E aninhando-os melhor nas vossas velhas saias
Podeis então dormir um tanto mais feliz.
Mulher quanto é suave e longo esse poema
Quanto é preciso ó mãe, no transito cruel,
Que vossa alma estremeça e o vosso peito gema
A fim de que em vós brilhe o mais alto laurel!
Quem é que nunca viu, na rua, a cada passo,
A pallida mulher que rompe a multidão,
Trazendo agasalhado, um filho no regaço,
E aos tombos, muita vez, um outro pela mão?!
Nos frios do lagedo, ás vezes, pede esmola
Ás portas dos cafés: ninguem a quer ouvir:
E a ella qualquer codea a farta e a consola
Comtanto que sem fome os filhos vão dormir!
E em quanto á luz do gaz a turba prazenteira
No fumo dos festins revoa em turbilhão,
Quantos dramas crueis nas humidas trapeiras;
Nos campos quantas mães sem roupas e sem pão?!
E sempre a mesma lenda, a mesma historia antiga:
Do palacio á cabana o vosso doce olhar,
Nas insomnias crueis, na fome ou na fadiga,
D'um raio creador o berço a illuminar!
No entanto á doce mãe, se aquelle amor sem termo,
Da moda traja agora os novos ouropeis,
E o vosso coração já gasto e um pouco enfermo,
Soffrendo se dilue nos ideaes crueis;
Nas vagas pulsações d'umas recentes ancias,
Se aquella santa flôr das grandes commoções,
Apenas tem logar nas vossas elegancias.
Como um enfeite de mimo amado nos salões;
Na corrente fatal que ao longe arrasta os povos,
Se o vosso grande affecto intenta erguer-se mais,
Sonhando a sagração dos heroismos novos,
Resplendente de luz; vistosa de metaes:
Aos reflexos do gaz, ó mãe, abri passagem
Por entre a saudação das alas cortezãs,
Levando as seducções da vossa doce imagem
Aos delirios da noite, ás ceias das manhãs!
Surgi do canto obscuro aonde o casto seio
Palpita ingenuo e bom na paz da solidão,
E o vosso amor levae á opera e ao passeio
A fim de que elle arranque um bravo á multidão!
E eu heide rir ao ver que o peito onde um thesouro
Maior do que nenhum podemos encontrar,
Intenta seduzir pela medalha d'ouro
Que aos pequenos heroes os reis costumam dar!
(mantém a grafia original)
In “A Alma Nova”
INCM - Imprensa Nacional Casa da Moeda
Guilherme de Azevedo
(1839-1882)
A MÃE
I
Sua ternura:
Com que alvoroço trémulo e espectante
chega a maternidade um dia, – como
da simples flôr se desentranha o gomo
a um raio de sol mais perturbador.
Vão-se os flancos erguendo na ondeante
vida que irrompe altiva, num assomo.
O seio branco amadurece em pomo
que o filho, ancioso, já não está distante.
No futuro que a Mãe lhe vai a erguer
a terra é pouca já p’ra êle ver
e pequeno o universo p’ra sonhar.
Mas, ei-lo enfim que chega... E a terra e o espaço
se circunscrevem no minguado abraço
em que os seus labios se unem p’ra o beijar...
II
Sua bondade:
Um filho vem, mais um e outro ainda.
Fonte da vida, a vida corre enquanto
do seu amor jorrar, em flúido, o encanto
que aos olhos d’outro amor a torna linda.
Cada vida que vem ao mundo em pranto
é p’ra o seu amplo coração bem vinda.
E já não sabe (se esse amar é tanto!)
onde o filho começa e onde a mãe finda.
E como em roda o azul do ceo pendente
se curva e pousa em terra e pensa a gente
que êle está perto – e é a Imensidade,
assim a alma da Mãe – ilimitada,
abraça o filho, mas, aperfilhada,
passa no lento abraço – a Humanidade.
In Revista “ÁMANHÔ
(Revista popular de orientação racional)
I Série – Nº 1 – 1 de Junho de 1909 – Pág. 10
Directôres – Grácio Ramos & Pinto Quartim
Manuel Ribeiro
1879 – 1941
Mantém a grafia original
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