A ESMOLA DO POBRE
Nos toscos degraus da porta
De igreja rústica e antiga,
Velha trémula mendiga
Implorava compaixão.
Quase um século contado
De atribulada existência,
Ei la, enferma e na indigência
Que á piedade estende a mão.
Duas crianças brincavam
Á distancia, na alameda;
Uma trajava de seda
Da outra humilde era o trajar.
Uma era rica, outra pobre,
Ambas loiras e formosas,
Nas faces a cor das rosas,
Nos olhos o azul do ar.
A rica, ao deixar os jogos,
Vencida pelo cansaço
Viu a mendiga, - e ao regaço
Uma esmola lhe lançou.
Ela recebe-a; e a criança,
Que a socorre compassiva,
Em prece fervente e viva,
Aos anjos encomendou.
De um ligeiro sentimento
De vaidade possuída,
Á criança mal vestida
Disse a do rico trajar:
«- O prazer de dar esmolas
«A ti e aos teus não é dado;
«Pobre como és, coitada,
«Aos pobres o que hás de dar?»
Então a criança pobre,
Sem mais sombras de desgosto,
Tendo o sorriso no rosto
Da igreja se aproximou,
E após, serena, em silencio,
Ao chegar junto da velha,
Descobrindo-se ajoelha,
E a magra mão lhe beijou.
E a mendiga, alvoroçada,
Ao colo os braços lhe lança,
E beija a pobre criança,
Chorando de comoção!
É assim que a caridade
Do pobre ao pobre consola;
Nem só da mão sai a esmola,
Sai também do coração.
In “Poesias” - 1873
Júlio Dinis **
(1839-1871)
** Pseudónimo literário de Joaquim Guilherme Gomes Coelho
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