OS DEUSES DESTERRADOS
Os deuses desterrados.
Os irmãos de Saturno,
Às vezes, no crepúsculo
Vêm espreitar a vi
Vêm então ter connosco
Remorsos e saudades
E sentimentos falsos.
É a presença deles,
Deuses que o destroná-los
Tornou espirituais,
De matéria vencida,
Longínqua e inativa.
Vêm, inúteis forças
Solicitar em nós
As dores e os cansaços,
Que nos tiram da mão,
Como a um bêbedo mole,
A taça da alegria.
Vêm fazer-nos crer,
Despeitadas ruínas
De primitivas forças,
Que o mundo é mais extenso
Que o que se vê e palpa,
Para que ofendamos
A Júpiter e a Apolo.
Assim até à beira
Terrena do horizonte
Hiperion no crepúsculo
Vem chorar pelo carro
Que Apolo lhe roubou.
E o poente tem cores
Da dor dom deus longínquo,
E ouve-se soluçar
Para além das esferas...
Assim choram os deuses.
12-6-1914
In “Odes de Ricardo Reis”
(Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor)
Ática, 1946 (imp.1994)
Pág. 16
Ricardo Reis
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