UM BARCO SONHA COM OUTRO BARCO
Um barco sonha com outro barco
oferece-lhe orquídeas de som
um túmulo gótico limos todo o mistério
lá onde a abóbada assenta sobre a coluna vertebral
que guarda palavras algemadas
e os passos dos peregrinos a caminho da ausência.
Estamos a um dia do fim de qualquer coisa.
Pela mão que guardo em todos os peitos
pelo contínuo marulhar na solidão na minha fronte
por esta maresia que vinda do sonho
sobe e sufoca
pela noite que se exprime no mais profundo de cada dia
ofereço-te a eternidade
como um trapo velho dentro de mim.
Todos os comboios atravessam o meu corpo
todos os diamantes se suicidam à minha porta
todas as mãos têm movimentos copiados do mar.
Ao meu lado sobre mim dentro de mim
como ao fim das tardes no inferno
o segredo que a sete chaves guardamos
passam-no agora as árvores em voz baixa uma às outras.
Oh meu amor o fim não existe tudo é recomeço
e tudo recomeça pelo fim.
Não esqueças esses momentos de transgressão
mais vida do que a vida
como o cavalo que corre dentro de si próprio
cego
até o infinito que não há.
África 61
In “Homenagem à Realidade”
Editor Escrituras
Artur do Cruzeiro Seixas
(1920-2020)
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