À MORTE DUM POETA
Sem ternura
sem pureza
não grito a tua morte apenas violenta
a tua morte apenas violenta ecoa em mim
e já não existo senão escuro e tremo
um pobre corpo atemorizado um coração de vazio
e a vergonha de não ter lágrimas e a ignorância
Estou mais razo do que tu, poeta, a uma mesa de café
mais morto mais falso mais nojento do que tu
e disfarço o silêncio e naturalmente continuo na vida
e rio e fujo e não consigo enterrar-te
não consigo chorar-te
porque o horror violento me desenha o corpo
Tiraste-me a vida e quase te odeio poeta
a minha morte teria sido muito mais insignificante
a minha morte teria sido mais justa
É esta ideia que te não perdoo, esta ideia horrorosa que bebo
esta ideia de que não mereço a tua morte
porque não mereci a tua vida
O que eu odeio é não te ter amado
o que eu odeio é a minha pobre vida e a minha culpa
o que eu odeio é ter ficado
Deixaste-me a responsabilidade tremenda de sobreviver-te
e por isso te amo e por isso descansa, poeta!
11 de Fevereiro de 1952
In “ÁRVORE ”
Folhas de Poesia
Direcção e Edição de António Luís Moita, António Ramos Rosa,
José Terra, Luís Amaro, Raul de Carvalho
1.º Fascículo - Inverno de 1951-52
Pág. 94
António Ramos Rosa
(1924-2013)
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