O LIVRO DA VIDA
Absorto, o Sabio antigo, estranho a tudo, lia...
– Lia o «Livro da Vida»,– herança inesperada,
Que ao nascer encontrou, quando os olhos abria
Ao primeiro clarão da primeira alvorada.
Perto d'elle caminha, em ruidoso tumulto,
Todo o humano tropel num clamor ululando,
Sem que de sobre o Livro erga o seu magro vulto,
Lentamente, e uma a uma, as suas folhas voltando.
Passa o estio, a cantar; accumulam-se invernos;
E elle sempre, – inclinada a dorida cabeça, –
A ler e a meditar postulados eternos,
Sem um fanal que o seu espirito esclareça!
Cada pagina abrange um estádio da Vida,
Cujo eterno segredo e alcance transcendente
Elle tenta arrancar da folha percorrida,
Como de mina obscura a pedra refulgente.
Mas o tempo caminha; os annos vão correndo;
Passam as gerações; tudo é pó, tudo é vão...
E elle sem descansar, sempre o seu Livro lendo!
E sempre a mesma névoa, a mesma escuridão.
Nesse eterno scismar, nada vê, nada escuta:
Nem o tempo a dobar os seus annos mais bellos,
Nem o humano soffrer, que outras almas enluta,
Nem a neve do inverno a pratear-lhe os cabellos!
Só depois de voltada a folha derradeira,
Já próximo do fim, sobre o livro, alquebrado,
É que o Sábio entreviu, como numa clareira,
A luz que illuminou todo o caminho andado...
Juventude, manhãs d'Abril, boccas floridas,
Amor, vozes do Lar, éstos do Sentimento,
– Tudo viu num relance em imagens perdidas,
Muito longe, e a carpir, como em nocturno vento.
Mas então, lamentando o seu esteril zêlo,
Quando viu, a essa luz que um instante brilhou,
Como o Livro era bom, como era bom relê-lo,
Sobre elle, para sempre, os seus olhos cerrou...
(mantém a grafia original)
In “Sol de Inverno”
Editora Aillaud & Bertrand
António Feijó
(1859-1917)
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