AS ARCAS DE MONTEMOR
Entre escombros, na rudeza
De vetusta fortaleza,
Batidas do vento agreste,
Empedernidas, cerradas,
Há duas arcas, pejadas
Uma de oiro, outra de peste.
Ninguém sabe ao certo qual
Das duas arcas encerra
O fecundo manancial
Que fartará de oiro a terra
Mesquinha de Portugal,
Ou qual, se mão imprudente
Lhe erguer a tampa funérea,
Vomitará de repente
A fome, a febre, a miséria,
Que matarão toda a gente!
E nestas perplexidades,
E eternas hesitações,
Têm decorrido as idades,
Têm passado as gerações;
Nas guerras devastadoras
Nas lutas brutais e ardentes
Entre as nações invasoras
E as povoações resistentes,
Nunca Romanos nem Godos,
Nem Árabes nem Cristãos,
Duros na alma e nos modos,
Rudes no aspecto e no trato,
Chegaram ao desacato
De lhes tocar pelas mãos...
Sempre que o povo faminto,
Maltrapilho e miserando,
Fosse ele Cristão ou Moiro,
Entrou no tosco recinto
Para salvar-se arrombando
A arca pejada de oiro,
Quedou-se, os braços erguidos,
O olhar atónito e errante,
Sem atinar de que lado
Vinha morrer-lhe aos ouvidos
Uma voz de agonizante,
Entre ameaças e gemidos:
«Ó povo de Montemor,
Se estás mal, se és desgraçado,
Suspende, toma cuidado,
Que podes ficar pior!»
E nestas perplexidades,
E eternas hesitações,
Hão-de passar as idades,
Suceder-se as gerações,
E continuar na rudeza
Da vetusta fortaleza,
Batidas do vento agreste,
Empedernidas, cerradas,
As duas arcas, pejadas
Uma de oiro, outra de peste.
In “Leituras (Segundo Tomo)”
Para o Ensino Técnico
1ª Edição - Livro Único
António de Macedo Papança
Conde de Monsarás
(1853-1913)
. Mais poesia em
. Eu li...
. Recordando... Ricardo Gil...
. Recordando... Saúl Dias *...
. Recordando... Rui Miguel ...
. Recordando... Rui Pires C...
. Recordando... Sebastião d...
. Recordando... Augusto Mol...
. Recordando... Egito Gonça...
. Recordando... António Ram...
. Recordando... Maria Auror...