Quinta-feira, 1 de Janeiro de 2015

Recordando... Fernando Assis Pacheco

QUE IMPORTA

 

Muitas vezes te esperei, perdi a conta,

longas manhãs te esperei tremendo

no patamar dos olhos. Que importa

que batam à porta, façam chegar

jornais, ou cartas, de amizade um pouco

- tanto pó sobre os móveis da tua ausência.

 

Se não és tu, que me importa?

Alguém bate, insiste através da madeira,

que me importa que batam à porta,

a solidão é uma espinha

insidiosamente alojada na garganta.

Um pássaro morto no jardim com neve.

 

In “A Musa Irregular”

Edições Asa

 

Fernando Assis Pacheco

1937 – 1995

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Quarta-feira, 31 de Dezembro de 2014

Recordando... Gastão Cruz

SAÍMOS DOS RUÍDOS DO INVERNO

 

Saímos dos ruídos do inverno
e saímos do frio em que dormimos
e dormimos ainda ainda temos
sono igual ao inverno e

nada se mudou senão a luz
a saída da luz
que se esforçava no calor do rio
por achar o motor da sua húmida

súbita madrugada ali contida
no silêncio do rio na ferida
por onde pôde a árvore evadir-se da luz
e nada se mudou somente um rasgo
de claridade no clarão da água
rompeu do rio de súbito o motor

 

In “Os Nomes”
Assírio & Alvim

Gastão Cruz

N. 1941

 

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Quinta-feira, 25 de Dezembro de 2014

Recordando... Fernando Pessoa

NATAL

 

Nasce um deus. Outros morrem. A Verdade

Nem veiu nem se foi: o Erro mudou.

Temos agora uma outra Eternidade,

E era sempre melhor o que passou.

 

Cega, a Sciencia a inutil gleba lavra.

Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.

Um novo deus é só uma palavra.

Não procures nem creias: tudo é oculto.

 

In “Contemporanea”

Director – José Pacheco

Redactor Principal – Oliveira Mouta

Editor – Agostinho Fernandes

Ano I – Volume II – Nº.6 Ano 1922

Pág. 88

 

Fernando Pessoa

1888 – 1935

 

Mantém a grafia original

 

 

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Sexta-feira, 19 de Dezembro de 2014

Recordando... Américo Durão

CONFIDENCIA A PIERROT

 

Ó Pierrot, velho simbolo cançado,

Toda a saudade em teu olhar se abriga,

E a tua voz num fremito mendiga

Ao Sonho o esquecimento do Passado!...

 

Irmão Pierrot, ó timido exilado,

Tambem eu ando morto de fadiga,

Minh’alma de si mesma é inimiga,

E eu choro de mim proprio fatigado.

 

É de mim, é de mim principalmente,

De quem eu mais quizera andar ausente,

E de quem, dia e noite, me acompanho!

 

Fôra eu pastor, vivesse a errar nos montes...

E perdido entre os ermos horizontes,

De mim e da minh’alma andasse extranho.

 

Maio 1922

 

In Revista “Contemporanea”

Director – José Pacheco

Redactor Principal – Oliveira Mouta

Editor – Agostinho Fernandes

Ano I – Volume I – Nº 2 – Ano 1922

Pág. 80

 

Américo Durão

1894 – 1969

 

Grafia original

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Sábado, 13 de Dezembro de 2014

Recordando... A. M. Pires Cabral

NORA

I

 

Muito tilintou esta nora.

 

Isso foi no tempo em que musgos,

heras, caracóis, lagartixas e ferrugem

não se tinham ainda sentado em cima dela.

 

Agora já não tilinta.

Secou-se-lhe o tilintar, que por sinal

era o som mais húmido do campo,

o mais quebradiço, mas também

mais apto a fecundar.

 

II

 

Mas não se extraviou nos complicados

trilhos do tempo:

limitou-se a migrar para dentro de mim.

Guardei-o num baú de que só eu tenho a chave

e donde às vezes o tiro para ouvir de novo

os pingos de prata derretida

caindo insistentes sobre a tarde esguia

 

que, aproximando-se do fim,

ficava de repente mais sonora

de pássaros e brisas, e de risos

e ralhos vindos da horta.

 

In “Gaveta do Fundo”

Editora Tinta da China – 2013

 

A. M. Pires Cabral

N. 1941

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Domingo, 7 de Dezembro de 2014

Recordando... Antonio Corrêa d’Oliveira

SANTA OBIDIENCIA

 

Ó nobre e humilde obidiencia antiga!

Companheira da paz; do mundo obreira,

Desde que Deus mandou á treva inteira

Que se fizesse luz: e o mando a obriga.

 

És como a forja ao aço, ao oiro a liga.

Sem ti não ha amor que dure e queira;

Nem ha Familia ou Patria caminheira;

Nem alegre trabalho que prosiga.

 

Anda na terra desvairada e á solta,

Em vento de soberba e de revolta

E ninguem obedece e crê nos mais.

 

Vêde Jesus, em seu cruel destino,

Levado pela mão, feito menino...

– “Meu Rei e meu Senhor, onde é que vaes?!” –

 

Belinho – 1922

 

In “Contemporanea”

Director – José Pacheco

Redactor Principal – Oliveira Mouta

Editor – Agostinho Fernandes

Ano I – Volume II – Nº.6 - Ano 1922

Pág. 100

 

Antonio Corrêa d’Oliveira

1878 – 1960

 

Mantém a grafia original

 

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Segunda-feira, 1 de Dezembro de 2014

Recordando... José Bruges d’Oliveira

CANÇÃO

 

Em sonho, tómo nas minhas,

As tuas mãos de luar,

E tenho duas rolinhas

Nas minhas mãos, a arrulhar.

 

E depois, em sonho ainda,

Deixando as rolas fugir,

A tua cabeça linda

Afago e beijo, a sorrir.

 

Continua o sonho mago.

E eu sempre no sonho loiro

Em mil carícias afago

Teu lindo cabelo d’oiro...

 

E as minhas mãos afagando

Teu cabelo d’oiro mole,

Amor! são a terra andando,

Girando em volta do Sol!

 

In Revista “Contemporanea”

Director – José Pacheco

Redactor Principal – Oliveira Mouta

Editor – Agostinho Fernandes

Ano I – Volume I – Nº 2 – Ano 1922  

Pág. 52

 

José Bruges d’Oliveira

1899 – 1951 

 

Grafia original

 

 

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Domingo, 30 de Novembro de 2014

Recordando... Emanuel Félix

AS RAPARIGAS LÁ DE CASA

 

Como eu amei as raparigas lá de casa

 

discretas fabricantes da penumbra

guardavam o meu sono como se guardassem

o meu sonho

repetiam comigo as primeiras palavras

como se repetissem os meus versos

povoavam o silêncio da casa

anulando o chão os pés as portas por onde

saíam

deixando sempre um rastro de hortelã

traziam a manhã

cada manhã

o cheiro do pão fresco da humidade da terra

do leite acabado de ordenhar

 

(se voltassem a passar todas juntas agora

veríeis como ficava no ar o odor doce e materno

das manadas quando passam)

aproximavam-se as raparigas lá de casa

e eu escutava a inquieta maresia

dos seus corpos

umas vezes duros e frios como seixos

outras vezes tépidos como o interior dos frutos

no outono

penteavam-me

e as suas mãos eram leves e frescas como as folhas

na primavera

 

não me lembro da cor dos olhos quando olhava

os olhos das raparigas lá de casa

mas sei que era neles que se acendia

o sol

ou se agitava a superfície dos lagos

do jardim com lagos a que me levavam de mãos dadas

as raparigas lá de casa

que tinham namorados e com eles

traíam

a nossa indefinível cumplicidade

 

eu perdoava sempre e ainda agora perdoo

às raparigas lá de casa

porque sabia e sei que apenas o faziam

por ser esse o lado mau de sua inexplicável bondade

o vício da virtude da sua imensa ternura

da ternura inefável do meu primeiro amor

do meu amor pelas raparigas lá de casa

 

Habitação das Chuvas          

 

In “121 Poemas Escolhidos”

Editor Salamandra

 

Emanuel Félix

1936 – 2004

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Terça-feira, 25 de Novembro de 2014

Recordando... António Sardinha

SONETO DA CONQUISTA

 

Ó grandes cavaleiros afonsinos,

bailando no terreiro da capela,

deixai moças da Maia e verdes pinos,

que é tempo agora de saltar p'ra sela!

 

E rompe a galopada ao som dos sinos,

– e galga matagais que a morte gela…

Os que tornarem, graves peregrinos,

irão depois em voto a Compostela.

 

"Por Santiago!" – E a terra se dilata.

O Tejo na distancia é como prata,

a cuja orla a hoste se detem.

 

Brilha o sinal de Christo sobre os peitos.

E os cavaleiros, sempre insatisfeitos,

voltam scismando no que está p'ra além…

 

In “Contemporanea”

Director – José Pacheco

Redactor Principal – Oliveira Mouta

Editor – Agostinho Fernandes

Ano I – Volume II – Nº.6 - Ano 1922

Pág. 133

 

António Sardinha

1887 – 1925

 

Mantém a grafia original

 

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Quarta-feira, 19 de Novembro de 2014

Recordando... Casimiro de Brito

DO POEMA

 

O problema não é

meter o mundo no poema; alimentá-lo

de luz, planetas, vegetação. Nem

tão-pouco

enriquecê-lo, ornamentá-lo

com palavras delicadas, abertas

ao amor e à morte, ao sol, ao vício,

aos corpos nus dos amantes –

 

o problema é torná-lo habitável, indispensável

a quem seja mais pobre, a quem esteja

mais só

do que as palavras

acompanhadas

no poema.

 

In “Ode & Ceia” – Poesia 1955-1984

Publicações Dom Quixote – 1985 

Casimiro de Brito

N. 1938

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