Segunda-feira, 25 de Junho de 2018

Recordando... Fernando Pessoa

QUANDO ESTOU SÓ RECONHEÇO

 

Quando estou só reconheço

Se por momentos me esqueço

Que existo entre outros que são

Como eu sós, salvo que estão

Alheados desde o começo.

 

E se sinto quanto estou

Verdadeiramente só,

Sinto-me livre mas triste.

Vou livre para onde vou,

Mas onde vou nada existe.

 

Creio contudo que a vida

Devidamente entendida

É toda assim, toda assim.

Por isso passo por mim

Como por cousa esquecida.

 

9-8-1931

 

In “Novas Poesias Inéditas – Fernando Pessoa”

Direcção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques Sabino

e Adelaide Maria Monteiro Sereno 

Editora Ática - 1993 - 4ª ed.

 

Fernando Pessoa

(1888-1935)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Quarta-feira, 13 de Junho de 2018

Recordando... Fernando Pessoa

EU AMO TUDO O QUE FOI   

 

Eu amo tudo o que foi,

Tudo o que já não é,

A dor que já me não dói,

A antiga e errónea fé,

O ontem que dor deixou,

O que deixou alegria

Só porque foi, e voou

E hoje é já outro dia.

 

1931

 

In “Poesias Inéditas (1930-1935)”  

Nota prévia de Jorge Nemésio

Editora Ática - 1990

 

Fernando Pessoa

(1888-1935)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Sexta-feira, 30 de Junho de 2017

Recodando... Fernando Pessoa

NESTA GRANDE OSCILAÇÃO

 

Nesta grande oscilação

Entre crer e mal descrer

Transtorna-se o coração

Cheio de nada saber;

 

E, alheado do que sabe

Por não saber o que é,

Só um instante lhe cabe,

Que é o conhecer a fé —

 

A fé, que os astros conhecem

Porque é a aranha que está

Na teia, que todos tecem,

E é a vida que neles há.

 

5-5-1934

 

In “Poemas Esotéricos - Fernando Pessoa” – 1ª edição

Edição de Fernando Cabral Martins e Richard Zenith

Assírio & Alvim

 

Fernando Pessoa

(1888-1935)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Terça-feira, 13 de Junho de 2017

Recordando... Fernando Pessoa

O GRANDE ESPECTRO, QUE FAZ SOMBRA E MEDO

 

O grande espectro, que faz sombra e medo,

Ergueu-se ao pé de mim, e eu temi-o;

Não porém com pavor, que nasce cedo,

Mas com um negro medo, oco e tardio.

 

Trajava o corpo seu vácuo e segredo

E o espaço irreal, onde formava frio,

Era como os desertos do degredo,

Um não-ser mais vazio que o vazio.

 

Não mais o vi, mas sinto a cada hora

Ao pé da alma, que teme e já não chora,

A álgida consequência e o vulto nada,

 

E cada passo em minha senda incerta

Um eco o acompanha, que deserta

Da atenção fria, inutilmente dada.

 

9-2-1930

 

In “Poemas Esotéricos - Fernando Pessoa” – 1ª edição

Edição de Fernando Cabral Martins e Richard Zenith

Assírio & Alvim

 

Fernando Pessoa

(1888-1935)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Quinta-feira, 30 de Junho de 2016

Recordando... Fernando Pessoa

A MINHA VIDA É UM BARCO ABANDONADO

 

A minha vida é um barco abandonado

Infiel, no ermo porto, ao seu destino.

Por que não ergue ferro e segue o atino

De navegar, casado com o seu fado?

 

Ah! falta quem o lance ao mar, e alado

Torne seu vulto em velas; peregrino

Frescor de afastamento, no divino

Amplexo da manhã, puro e salgado.

 

Morto corpo da acção sem vontade

Que o viva, vulto estéril de viver,

Boiando à tona inútil da saudade.

 

Os limos esverdeiam tua quilha,

O vento embala-te sem te mover,

E é para além do mar a ansiada Ilha.

 

Cancioneiro

 

In “Fernando Pessoa – Antologia Poética” - 3ª. Edição

Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses

Editora Ulisses

 

Fernando Pessoa

(1888-1935)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Segunda-feira, 13 de Junho de 2016

Recordando... Fernando Pessoa

CORPOS

 

O meu corpo é o abismo entre eu e eu.

 

Se tudo é um sonho sob o sonho aberto

Do céu irreal, sonhar-te é possuir-te,

E possuir-te é sonhar-te de mais perto

 

As almas sempre separadas,

Os corpos são o sonho de uma ponte

Sobre um abismo que nem margens tem

 

Eu porque me conheço, me separo

De mim, e penso, e o pensamento é avaro

 

A hora passa. Mas meu sonho é meu.

 

s.d.

 

In “Pessoa Inédito”

Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes

Livros Horizonte - 1933

Pág. 7

 

Fernando Pessoa

(1888-1935)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Quinta-feira, 25 de Junho de 2015

Recordando... Fernando Pessoa

SANGRA-ME O CORAÇÃO

 

Sangra-me o coração. Tudo que penso

A emoção mo tomou. Sofro esta mágoa

Que é o mundo imoral, regrado e imenso,

No qual o bem é só como um incenso

Que cerca a vida, como a terra a água.

 

Todos os dias, oiça ou veja, dão

Misérias, males, injustiças — quanto

Pode afligir o estéril coração.

E todo anseio pelo bem é vão,

E a vontade tão vã como é o pranto.

 

Que Deus duplo nos pôs na alma sensível

Ao mesmo tempo os dons de conhecer

Que o mal é a norma, o natural possível,

E de querer o bem, inútil nível,

Que nunca assenta regular no ser?

 

Com que fria esquadria e vão compasso

Que invisível Geómetra regrou

As marés deste mar de mau sargaço —

O mundo fluido, com seu tempo e ‘spaço,

Que ele mesmo não sabe quem criou?

 

Mas, seja como for, nesta descida

De Deus ao ser, o mal teve alma e azo;

E o Bem, justiça espiritual da vida,

É perdida palavra, substituída

Por bens obscuros, fórmulas do acaso.

 

Que plano extinto, antes de conseguido,

Ficou só mundo, norma e desmazelo?

Mundo imperfeito, porque foi erguido?

Como acabá-lo, templo inconcluído,

Se nos falta o segredo com que erguê-lo?

 

O mundo é Deus que é morto, e a alma aquele

Que, esse Deus exumado, reflectiu

A morte e a exumação que houveram dele.

Mas ‘stá perdido o selo com que sele

Seu pacto com o vivo que caiu.

 

Por isso, em sombra e natural desgraça,

Tem que buscar aquilo que perdeu —

Não ela, mas a morte que a repassa,

E vem achar no Verbo a fé e a graça —

A nova vida do que já morreu.

 

Porque o Verbo é quem Deus era primeiro,

Antes que a morte, que o tornou o mundo,

Corrompesse de mal o mundo inteiro:

E assim no Verbo, que é o Deus terceiro,

A alma volve ao Bem que é o seu fundo.

 

26-4-1934

 

In “Poemas Esotéricos - Fernando Pessoa”

Edição de Fernando Cabral Martins e Richard Zenith

Assírio & Alvim - 1ª edição Abril.2014

 

Fernando Pessoa

(1888 - 1935)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Sábado, 13 de Junho de 2015

Recordando... Fernando Pessoa

ANÁLISE

 

Tão abstracta é a ideia do teu ser

Que me vem de te olhar, que, ao entreter

Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,

E nada fica em meu olhar, e dista

O teu corpo do meu ver tão longemente,

E a ideia do teu ser fica tão rente

Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me

Sabendo que tu és, que, só por ter-me

Consciente de ti, nem a mim sinto.

E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto

A ilusão da sensação, e sonho,

Não te vendo, nem vendo, nem sabendo

Que te vejo, ou sequer que sou, risonho

Do interior crepúsculo tristonho

Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.

            Do sonho e pouco da vida.

12-1911

 

In “Obra Poética e em Prosa” - Vol. I - Fernando Pessoa

(Introd., org., biobibliografia e notas de António Quadros

e Dalila Pereira da Costa)

Lello - 1986

 

Fernando Pessoa

(1888 - 1935)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Segunda-feira, 1 de Junho de 2015

Recordando... Fernando Pessoa

SOSSEGA CORAÇÃO!

 

Sossega, coração! Não desesperes!

Talvez um dia, para além dos dias,

Encontres o que queres porque o queres.

Então, livre de falsas nostalgias,

Atingirás a perfeição de seres.

 

Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!

Pobre esperança a de existir somente!

Como quem passa a mão pelo cabelo

E em si mesmo se sente diferente,

Como faz mal ao sonho o concebê-lo!

 

Sossega, coração, contudo! Dorme!

O sossego não quer razão nem causa.

Quer só a noite plácida e enorme,

A grande, universal, solente pausa

Antes que tudo em tudo se transforme.

 

2 - 8 - 1933

 

In “Poesia 1931-1935 e não datada”

Ed. Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine

Assírio & Alvim - 2006

 

Fernando Pessoa

(1888-1935)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (2) | favorito
Quinta-feira, 25 de Dezembro de 2014

Recordando... Fernando Pessoa

NATAL

 

Nasce um deus. Outros morrem. A Verdade

Nem veiu nem se foi: o Erro mudou.

Temos agora uma outra Eternidade,

E era sempre melhor o que passou.

 

Cega, a Sciencia a inutil gleba lavra.

Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.

Um novo deus é só uma palavra.

Não procures nem creias: tudo é oculto.

 

In “Contemporanea”

Director – José Pacheco

Redactor Principal – Oliveira Mouta

Editor – Agostinho Fernandes

Ano I – Volume II – Nº.6 Ano 1922

Pág. 88

 

Fernando Pessoa

1888 – 1935

 

Mantém a grafia original

 

 

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito

.Eu

.pesquisar

 

.Dezembro 2023

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

.Ano XVI

.posts recentes

. Recordando... Fernando Pe...

. Recordando... Fernando Pe...

. Recordando... Fernando Pe...

. Recordando... Fernando Pe...

. Recordando... Fernando Pe...

. Recordando... Fernando Pe...

. Recordando... Fernando Pe...

. Recordando... Fernando Pe...

. Recordando... Fernando Pe...

. Recordando... Fernando Pe...

.arquivos

. Dezembro 2023

. Novembro 2023

. Outubro 2023

. Setembro 2023

. Agosto 2023

. Julho 2023

. Junho 2023

. Maio 2023

. Abril 2023

. Março 2023

. Fevereiro 2023

. Janeiro 2023

. Dezembro 2022

. Novembro 2022

. Outubro 2022

. Setembro 2022

. Agosto 2022

. Julho 2022

. Junho 2022

. Maio 2022

. Abril 2022

. Março 2022

. Fevereiro 2022

. Janeiro 2022

. Dezembro 2021

. Novembro 2021

. Outubro 2021

. Setembro 2021

. Agosto 2021

. Julho 2021

. Junho 2021

. Maio 2021

. Abril 2021

. Março 2021

. Fevereiro 2021

. Janeiro 2021

. Dezembro 2020

. Novembro 2020

. Outubro 2020

. Setembro 2020

. Agosto 2020

. Julho 2020

. Junho 2020

. Maio 2020

. Abril 2020

. Março 2020

. Fevereiro 2020

. Janeiro 2020

. Dezembro 2019

. Novembro 2019

. Outubro 2019

. Setembro 2019

. Agosto 2019

. Julho 2019

. Junho 2019

. Maio 2019

. Abril 2019

. Março 2019

. Fevereiro 2019

. Janeiro 2019

. Dezembro 2018

. Novembro 2018

. Outubro 2018

. Setembro 2018

. Agosto 2018

. Julho 2018

. Junho 2018

. Maio 2018

. Abril 2018

. Março 2018

. Fevereiro 2018

. Janeiro 2018

. Dezembro 2017

. Novembro 2017

. Outubro 2017

. Setembro 2017

. Agosto 2017

. Julho 2017

. Junho 2017

. Maio 2017

. Abril 2017

. Março 2017

. Fevereiro 2017

. Janeiro 2017

. Dezembro 2016

. Novembro 2016

. Outubro 2016

. Setembro 2016

. Agosto 2016

. Julho 2016

. Junho 2016

. Maio 2016

. Abril 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2016

. Janeiro 2016

. Dezembro 2015

. Novembro 2015

. Outubro 2015

. Setembro 2015

. Agosto 2015

. Julho 2015

. Junho 2015

. Maio 2015

. Abril 2015

. Março 2015

. Fevereiro 2015

. Janeiro 2015

. Dezembro 2014

. Novembro 2014

. Outubro 2014

. Setembro 2014

. Agosto 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Abril 2014

. Março 2014

. Fevereiro 2014

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Outubro 2013

. Setembro 2013

. Agosto 2013

. Julho 2013

. Junho 2013

. Maio 2013

. Abril 2013

. Março 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Setembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Junho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

. Fevereiro 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Novembro 2007

. Outubro 2007

. Setembro 2007

. Agosto 2007

. Julho 2007

. Junho 2007

. Maio 2007

. Abril 2007

.tags

. todas as tags

blogs SAPO

.subscrever feeds