O VELHO MARINHEIRO
Quem é tu pobre velho, à beira mar,
Fitando há tanto tempo o horizonte?
Porque vejo teus olhos a chorar,
Tão enrugada, assim, a tua fronte?
Será que uma lembrança, uma saudade,
Se torna tão distante e sonhador?
Será que já não tens felicidade?
Responde, fala, diz-me, por favor.
E o pobre velho de expressão vincada,
Qual testemunho de uma vida dura,
Olhando-me disse: (com voz velada,
Lenta, pausada e cheia de amargura)
Eu sou aquele que sulcou esteiras,
rasgando selvas, arroteando mares;
Eu sou aquele que transpôs barreiras,
Que forjou raças e construiu lares.
Eu sou aquele que adubou, com sangue,
Lavras imensas, em milhares de terras;
Eu sou aquele que chorou exangue,
Seus filhos mortos noutras tantas guerras.
Mas hoje... nada sou. Só nostalgia!
Estátua viva de alucinações!
Sou Alcácer-Quibir em agonia,
Ouvindo ao longe, os versos de Camões!
Perguntaste quem sou? Sou o passado
De alguém que ditou leis, ao mundo inteiro;
Moribundo, cuspido, espezinhado,
O velho Portugal, o Marinheiro.
Guimarães, 1975
In “Poetas & Trovadores”
Ano XVlll – 3ª edição – n.º 1 – Abril de 1998
José Abílio Gouveia
1916 – 1996
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