CARTA ABERTA
Diante de ti, que tens fome
ou tremes de cansaço,
perdoa, irmão,
que eu tenha de sofrer
um drama que parece de palavras!
Semeio versos,
tu moirejas nas cavas,
regando a terra com o suor do rosto
e requeimas a carne à boca das fornalhas
e gastas a paciência,
vivendo ao ritmo inumano das máquinas
(eu, é da alma que suo...)
Não é vida este sonho a que me espelho?
Não me dou como tu?
Irmão, perdoa!
Não fui eu quem talhou o meu destino
e a sede de me ser também é inferno!
Irmão, perdoa!
Não feches o teu punho a esta mão sem calos...
Outros, mas também tenho os meus trabalhos:
é com o cerne dos meus nervos
que acendo este luzeiro do meu canto.
Se me não vês assim,
se te pareço, ao rumo dos teus passos,
o passo inútil duma lua inquieta
num céu fechado,
ou apenas um mocho (agoirento e romântico),
não me fuzile a tua voz de pragas!
Não me chames Poeta
como quem cospe um exorcismo!
Sou teu longínquo irmão,
irmão!
Como tu deserdado
e à espera do mesmo:
sete palmos de terra e de silêncio...
In “Terra ao Mar” – Editorial Inquérito, 1954
António de Sousa
1898 – 1981
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