NAS MORNAS SOLIDÕES…
Nas mornas solidões, lá nas florestas virgens,
Onde sonham ao luar extáticos paúis,
As nuvens sensuais têm súbitas vertigens:
Chuvas torrenciais, relâmpagos azuis!
Langorosas d’amor vêm as noites macias,
Com o seu vago torpor de aroma e claridade,
E as estrelas, no céu, mais brilhantes e frias
Ostentam a nudez da sua virgindade!
Assim no coração imenso dos poetas,
Após as vivas dores, as torturas secretas,
Que no silêncio, audaz, criou seu pensamento,
Como que a vida ganha um sentido maior,
A mais longe se espraia a onda do amor,
Mais penetrante e doce é a luz do sentimento!
(mantém a grafia original)
In “Presença”
Fôlha de Arte e Crítica
Nº 1 - 10 de Março de 1927
Pág. 6
Fausto José
(1903-1975)
POEMA TREMENDO
Do tremendo poema que já fiz
ou antes do tremendo poema ficaram
gestos poucos diluídos
no ar pesado para respirar
como cinzenta era a ilha
e tremenda a solidão dos passos
deslocados sob os pés de
marinhante
a tristeza da criança
sentada ao meu lado
ocultando as nódoas da blusa
a roupa inevitável pendurada
nas cordas
a dor nas costas da mãe
lavando uma vida toda
lavando uma vida toda
mas tremenda, tremenda mesmo
é esta tarde parada
em que não temos coragem
de soprar no vento
In “Outra Versão da Casa”
Edições Base
Ivone Chinita
(1943-1983)
PASSIVIDADE
Passividade suave e feiticeira
tentou-me, em tua bôca mal pintada,
nos teus olhos azuis d’alucinada,
na estopa a rir da tua cabeleira.
Minha arte d’amar, pelotiqueira,
deu fôgo à tua carne inanimada,
tornando mais gentil e articulada
a boneca que fôsses duma feira.
Levando ao ar um braço, eras adeus
a uma estranha mulher que em ti morrera
e cujo busto nu vejo entre véus…
E ao descerrares a acre flôr da bôca
a tua voz sonâmbula, de cêra,
já era um éco d’alma em alma ôca!
Coimbra, 1926
(mantém a grafia original)
In “Presença”
Fôlha de Arte e Crítica
Nº 1 - 10 de Março de 1927
Pág. 6
Edmundo de Bettemcourt
(1899-1973)
PARÁBOLA
Um grito de ave corta o espaço
e o vôo fere a flôr do lago
que não desperta do sonho em que o sonha,
do sonho em que se adormeceu…
o lago escuro como um espelho sem aço
onde já se não olha o céu!...
(mantém a grafia original)
In “Presença”
Fôlha de Arte e Crítica
Nº 1 - 10 de Março de 1927
Pág. 6
Branquinho da Fonseca
(1905-1974)
NOTAS INÚTEIS
Sacudo o sonho
como o resto do pó
de um velho casaco
para que a pele guarde em silêncio
a sua cicatriz
mas no mesmo sitio
vê-se claramente a queimadura
de outra ferida
combustão do homem
onde uma mulher terrível
lançou à distância
o seu dardo de silêncio
desfigurando-lhe o coração
das cinzas férteis
outra surgia lentamente
semente adormecida pelo frio
brotava do chão como uma casa luminosa
ligava a máquina nocturna
onde o homem fabricava as nuvens
e alimentava o fruto da paixão
o resto era sémen
lágrima
boca
escuridão.
In “O Mar Todo”
Edição do Autor, 2016
Carlos Ramos
(N.1967)
45 ROTAÇÕES
Vamos! Do teu lado esquerdo
procura-me um disco pequenino,
um disco verde,
e põe-no a girar.
Não disse mais nada.
Ficámos calados.
Mas o que é certo é que os outros
tinham desaparecido,
parecia mesmo que a sala
tinha desaparecido.
Só a música, uma música nossa,
e qualquer coisa de inexplicável,
um fio de magia,
uma companhia que não estava,
mas as paredes limitavam-nos bem,
as paredes não disseram nada,
cumpriram.
Parece não haver explicação,
e todas as explicações
nada explicam.
A magia de um recolhimento
um olhar a procurar o meu.
O disco,
o disco pequenino,
amarelo azul ou verde,
parou.
O teu olhar desviou-se.
Outubro/80
In “Revista Colóquio/Letras. Poesia”
N.º 63 - Set. 1981
Pág. 61
António Pinheiro Guimarães
(1922-2000)
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