COSTUMES BURGUESES
Steack au poivre... assim mesmo...
Não é qualquer bifeco de vaca portuguesa...
e quanto a especiarias, há séculos as deixámos
cair em mãos alheias. Sempre é mais saborosa
a pimenta francesa. E caracóis parisienses,
com requintes de garfo especial para os extrair das conchas
Nenhum parentesco com a lusitana caracoleira,
por mais bem temperada que seja...
Requintes burgueses, saborosos e caros
S. João Baptista comia gafanhotos no deserto
O Cristo porém não faltou a banquetes
e não consta que fizesse ali jejum...
Mas os pobres do Biafra? E os chinas de Cantão
Xangai ou Pequim com a malga diária de arroz
para a sua fome?
Desigualdades controversas... Mas, não come camarão
e lagostim o proletário, endinheirado pela Revolução?
Comentário reaccionário – dirão – E o cristão?
Há-de praticar os mesmos costumes burgueses
dos proletários ou dos burgueses seus irmãos?
Santa Teresa disse – por piada? – bem achada:
quando penitência, penitência
quando perdiz, perdiz. Encontrada
a solução para a equação?
Qual equação?
In “Gramática do Mundo”
INCA - Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1985
Maria de Lourdes Belchior
(1923-1999)
SALGUEIRO MAIA
Ficaste na pureza inicial
do gesto que liberta e se desprende.
Havia em ti o símbolo e o sinal
havia em ti o herói que não se rende.
Outros jogaram o jogo viciado
para ti nem poder nem sua regra.
Conquistador do sonho inconquistado
havia em ti o herói que não se integra.
Por isso ficarás como quem vem
dar outro rosto ao rosto da cidade.
Diz-se o teu nome e sais de Santarém
trazendo a espada e a flor da liberdade.
In “País de Abril”
Edições Dom Quixote, 2016
Manuel Alegre
(N.1936)
A CASA DO POETA
Pelo meu acto de inventar amigos
como quem lá de cima vê Lisboa
a acusar-se numa fotografia
tirada de um avião e lhe perdoa
minha propriedade vertical
levanto como quem na hora extrema
se salva a tempo como quem ao inimigo
oferece a face esquerda do poema.
Ó pedreiros do meu amor de sempre
fazendo a minha casa com a alegria
de quem se escolhe a morrer pelos outros
deita uma lágrima e merece o dia!
Casa que não se esconde atrás das portas
endereço de guerra redimida
roupa de amor a pingar sobre quem passa
renda que pago em sofrimento à vida
minha casa ingénua de armistício
assinado entre mim e os descrentes
casa de versos que escrevo na brancura
da cal que empalidece pelos ausentes.
No acalento da sala que é de estar
entre algodões porque é sala de ser
esperamos que o elefante solitário
da tarde se afaste para morrer
e a noite com alcoólicos gorjeios
de pássaros de gim dentro dos copos
mata a sede de sermos um infinito
animal em lacerados corpos.
Plural solidão de casa muita
espaçoso afago casa substância
de amigos que encontramos no futuro
dançando o que nos resta de crianças.
In "Poesia Completa"
Publicações Dom Quixote, 1999
Pág. 319
Natália Correia
(1923-1993)
A NOSSA TERRA
A mossa terra! um ponto abençoado…
Muitas vezes no mappa mal se vê,
Mas para nóa avulta illuminado,
Em letras de ouro, que a noss’alma lê.
Tudo é nosso na terra em que nascemos:
– O céu, o campo, o sol que nos aquece.
Tudo nos fala, tudo conhecemos,
E tudo nos conhece.
Quanto mais o destino nos arrasta
Para longe do lar,
E mais da nossa terra nos afasta,
Como a saudade ao coração não basta,
Maior é o desejo de voltar.
A nossa terra está sempre ligada
Aos sonhos da ventura procurada
Ás idéas do Bem.
Para nós sempre bella e sempre amada,
A nossa terra é como a nossa Mãe.
(mantém a grafia original)
In “Serões”
Magazine mensal illustrado
N.º 61 - Julho 1910
Pág. 22
Maria de Carvalho
TU E EU MEU AMOR
Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.
Nua a mão que segura
outra mão que lhe é dada
nua a suave ternura
na face apaixonada
nua a estrela mais pura
nos olhos da amada
nua a ânsia insegura
de uma boca beijada.
Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.
Nu o riso e o prazer
como é nua a sentida
lágrima de não ver
na face dolorida
nu o corpo do ser
na hora prometida
meu amor que ao nascer
nus viemos à vida.
Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.
Nua nua a verdade
tão forte no criar
adulta humanidade
nu o querer e o lutar
dia a dia pelo que há-de
os homens libertar
amor que a eternidade
é ser livre e amar.
Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.
In "Poemas para Adriano"
Manuel da Fonseca
(1911-1993)
QUANDO EU TIVER A CERTEZA
Quando eu tiver a certeza
de que nada foi verdade,
e que dentro da tristeza
da minha serenidade
nunca o Sonho foi beleza,
nem a Poesia certeza,
nem o Amor foi verdade...
Quando eu souber bem a fundo
que era cinza a minha pele;
que ninguém me viu no mundo,
e que eu não passei por ele...
Quando, de brumas envolta,
só vir casarões vazios,
e só as vozes à solta
me despertem de arrepios...
Quando o frio me despir
as ilusões que julguei,
as vitórias que criei,
os movimentos sagrados,
e já nada me entristeça...
E nem na sombra, em retratos,
já ninguém me reconheça,
– se nem retratos tirei! –
nos olhos me apagarei.
Quando eu tiver a certeza
de que nada foi verdade:
nem os bens, nem a Beleza,
nem a minha imensidade,
nem os braços que estendi,
nem Espaços que viajei,
nem ilhas que nunca vi
mas chão onde descansei,
nem noites de danças lentas
em que me vinham buscar
– madrugadas nevoentas
de ir com Eles para o mar...
Nem esse gosto impreciso
– ténue gosto de salgado –
que há-de haver no Paraíso
quando está longe o pecado...
Quando eu tiver a certeza
de que nada foi verdade...
– pedra me sinta atirada
entre as coisas sem idade...
In "Atlântico: revista lusa brasileira”
Nova Série, n.º 6 de 2 de Junho de 1948
Natércia Freire
(1919-2004)
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