TRAGO-TE NOS BRAÇOS AO CAIR DA TARDE
Trago-te nos braços ao cair da tarde
quando a glicínia cheira na porta do meu corpo
tacteias a espaço a porta entreaberta
e reténs o grito na fogueira da boca
convulsionada e ágil te conduzo
na relva agora húmida e macia.
Fecho-me para crescer em ti
os dedos acordados e subtis
e é tudo água, vórtice, clarão.
In “Antes que a noite caia”
Editora Ausência
Maria Aurora **
(1937-2010)
** Pseudónimo de Aurora Augusta Figueiredo de Carvalho Homem
UM ACORDAR...
Um acordar, violento e duro,
qualquer coisa desesperada
– mesmo que seja preciso saltar o muro –
que nos arranque da sempre mesma morna estrada
para encontrar um outro caminho mais seguro.
(Não podemos dizer a ninguém
o de repente desejo de infinito que nos vem.
Porque logo se vai
acompanhado o breve momento que o atrai).
Que realizarei
qualquer força interior.
Mas terei de dar
o que não dei
seja a quem fôr.
No procurar
do sítio exacto onde me pôr.
In “Mão Aberta”
Maria Natália Duarte Silva
(1930-1971)
ESCOLA VAZIA
Eu fui lá nesse dia, como nos outros dias,
só para ver, mas ver como se fizesse parte,
as crianças brincar e saltar, despreocupadamente.
Os jardins estavam vazios de gritos infantis
e um bibe verde-claro, ficou-se
balouçando, no braço estendido
de qualquer arbusto, ao acaso ...
Os jardins estão vazios e mesmo os bancos
não têm ninguém sentado;
um livro aberto, cadernos pelo chão,
e uma pena que rolou por rolar
e está espetada como uma seta.
Só acácias tristes balouçam ao vento,
balouçam e vão caindo, e o vento continua
balouçando;
só a escola está vazia,
enquanto os aviões continuam passando, passando...
(mantém a grafia original)
In “Altura“
Cadernos de Poesia
N.º 2 de Maio de 1945
Amândio César
(1921-1987)
CANÇÃO DEPRESSA
Tudo ·agora é breve
E pressa, depressa,
Que importa que esqueça?
Tudo agora é breve
Mesmo o que se escreve.
Mesmo o que se sente.
Tudo é breve agora.
Ninguém está contente
E mente quem chora.
Tudo é breve agora.
Não há nada lento.
Roubaram ao tempo
O tempo que êle teve.
Tudo agora· é 'breve
Só dura um momento.
Faça sol ou neve
Com juízo ou louco
Dôa muito ou pouco
O tempo não chega
Tudo agora é breve.
Que importa que esqueça?
Vamos sem demora
Vamos sem viver.
Tudo é breve agora
E pressa, depressa
– Pressa de morrer.
(mantém a grafia original)
In “Altura“
Cadernos de Poesia
N.º 2 de Maio de 1945
Carlos Queiroz
(1907-1949)
O PEGO
Nadador que ao nadar, sem desistir, sentisse
Chupá-lo, como polvo informe, o pego imundo,
Ao mesmo tempo estou nadando à superfície
E mais me afundo... em quê? e desço para o fundo...
De costas, vejo o azul, agito os pés e as mãos,
Sinto nadar os mais, gozo o ar e as ondas, vou,
Multiplico, à flor de água, os movimentos vãos,
Mantenho-me… porém, que fundo ou que alto estou!
Porque o céu que é, lá'cima, essa tranqüila curva
De bom setim azul, que tão bem faz olhar,
Se me abre a mim de mais, se liquefaz, se turva,
Se encrespa, e me atrai como um outro e maior mar...
À flor da água em que nado, opresso e falso, agito
Os pés e as mãos dum corpo a que me alheio...,
[embora
Lute, abafando um fundo, interminável grito,
Por me agarrar a êle e a tudo o que é de fora...
O pego que me atrai sob a flor de água em que ando
Seduz-me, como essoutro, azul, que se abre em cima,
E, suspenso entre tais fôrças iguais, nadando,
Eu sinto que já só fingir nadar me anima.
Os meus irmãos que ao pé dum tal nadar tremendo
Nadam, mas naturais, como uma alga ou um peixe,
Fugiriam, sentindo os pegos perto – e vendo
Que é um cadáver, já, que entre êles inda mexe.
Mas não! não vêem nada! e falam-me, e eu res-
[pondo
Aos ecos duma voz que vem como chegada
De cá de onde inda estou, sem ser de cá, compondo
Um ar de também, ser dos que não vêem nada...
(mantém a grafia original)
In “Altura“
Cadernos de Poesia
N.º 2 de Maio de 1945
José Régio **
(1901-1969)
** Pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira
EU VOU À FRENTE!
Eu vou à frente!
Cortem-me, embora, os braços, cortem-me a língua, cortem-me as pernas!
Eu vou à frente!
Gente que chora, chore atrás de mim, baixinho…
Eu vou à frente, a reclamar!
(Poema 53)
In “Madrugada”
Maria Almira Medina
(1920- 2016)
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