ENTREGA
Não chegam olhos
nem mãos
para viver o teu corpo aceso
Não basta que o sabor
se arraste pela lisura da boca
e permaneça
húmido
à superfície da pele
Importa que se devassem
segredos
e se abatam as fronteiras
Quero ser água do teu mar
Quero-te febre do meu sangue
In “Corpo de Abrigo"
Temas Originais - 2011
Edgardo Xavier
(N.1946)
NATAL
Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.
Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.
Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.
Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia.
In “Antologia Poética”
Manuel Alegre
(N.1936)
NADA É SAGRADO
Nada é sagrado.
Nada é inamovível.
Nada é verdade só porque alguém o diz,
nem,
provado que o é,
senão enquanto vale.
Nada é silêncio apenas de cerrar
os ouvidos teimosos.
Nada é inteiramente flor ou estrume.
In "A paz inteira"
Centro Bibliográfico – Lisboa
Armindo Rodrigues
(1904-1993)
SOMBRA E CLARÃO
De mãos dadas, lá vão avó e nata,
– A Saudade e a Esperança de mãos dadas! –
A neta é loira, a avó tem cans prateadas;
Uma leva a boneca, outra a muleta.
Uma arrastasse e a outra salta inquieta;
Aos suspiros vai uma, outra ás risadas;
A avó desfia contas desgastadas,
E a neta colhe iriada borboleta.
Uma vae confiada, outra bisonha;
Uma lembra-se, triste, e a outra sonha;
Leves asas tem uma, outra coxeia...
E eu que as vejo passar, com mágoa infinda
Penso que a avó talvez já fosse linda,
E que a neta talvez venha a ser feia!
(Mantém a grafia original)
In “Contemporanea”
Director – José Pacheco
Redactor Principal – Oliveira Mouta
Editor – Agostinho Fernandes
Ano I – Volume II – Nº.6 Ano 1922
Pág. 85
Eugénio de Castro
(1869-1944)
ENDEREÇO
Na rua onde moraste
voavam anjos,
não que eu os visse
mas sentia-se um vento diferente,
um certo aroma a cereja
que sempre acompanha os anjos.
In “Geografias Dispersas”
Editora Edita-Me
Alexandra Malheiro
(N.1972)
EM ERMA PRAIA DILATADA
Em erma praia dilatada, e fria,
Do resto dos viventes separada,
Sobre a húmida areia reclinada,
À sombra que um saveiro ali fazia,
Enquanto o mar, bramindo, ao ar erguia
Uma onda, outra onda escapelada,
E contra a altiva rocha levantada
Cada vez mais, e mais s’embravecia.
Das ideias mais negras combatida,
Cuidando ver nas ondas agitadas
O retrato fiel da minha vida,
De amargo pranto as faces alagadas,
Passei, em mil desgostos envolvida,
De um longo dia as horas desgraçadas…
In "Antologia das Mulheres Poetas Portuguesas"
Edições Delfos
Francisca de Paula Possolo
(1783-1838)
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