RESIGNO-ME À FUNÇÃO
Isto de fazer poesia
não tem não mais que fazê-la.
Põe-se o papel, pega-se no lápis
e à moela da inspiração
falemos assim, digamos assim
não se diz não.
Começa-se não mal
que se comece bem
depois de tal
vem que as imagens
ou as comparações
escrevem e metem-se no meio
do que tu supões.
Depois dentre nós dois
ou o Céu ou o Inferno
ou Deus ou o Diabo
a bela ou o quadritérnio
inspiro-me, inspiras-te,
escrevo, começo e acabo.
Não abro o coração
em dois
que não vem depois
mais sangue fluido
a falar.
Abra-se antes na função
poética
coisas como o mar
o luar, o acabar das horas
e dos dias, na poesia romântica,
e na quântica outras
coisas, outras noções,
as quantas são que não
na romântica
aqui nesta já as leis
do coração, a função
entre dois corações
mas fisiologicamente
e na romântica
apaixonadamente mais quente.
Resigno-me à função
de fazer poesia.
Esfria-me é
o condão muitas vezes
mas a teses como
esta ou uma tese
qualquer
quero fazer eu
um poema também.
Resigno-me à função.
Submeto-me à função.
Subjugo-me à função.
E não vou mais longe.
Escrevo. Poesia.
O hábito faz o monge
e eu um dia vou longe
se escrever muito em poesia.
Doutra maneira dizia que
vale mais fazer a poesia
que dizê-la
que ela de guia tem
e serve-se de bela.
In “O Ar da Manhã”
Assírio & Alvim
António Gancho
(1940-2006)
DESPEDIDA
À memória do Sebastião da Gama
Feridas por mistério, emudeceram
todas as vozes, quando se quebrou
a amarra de navio que te prendia.
À beira cais alaram-se gaivotas
e o nevoeiro, após, tudo envolveu.
«Que é de ti, meu amor?» – e os olhos dela
repetiam, brilhando: «Que é de ti?».
No sorriso sem fim da tua boca
a memória do amor existiria?
Quase a teus pés choravam duas velas,
exaustas, já desfeitas, desoladas...
E as tuas mãos, longínquas e cruzadas.
extinguiam-se com elas.
Fevereiro de 52.
In “ÁRVORE ”
Folhas de Poesia
Direcção e Edição de António Luís Moita, António Ramos Rosa,
José Terra, Luís Amaro, Raul de Carvalho
2.° Fascículo - Inverno ele 1951-52
Pág. 90
António Luís Moita
(1925-2013)
LIÇÃO SOBRE A ÁGUA
Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.
É um bom dissolvente.
Embora com excepções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, ácidos, bases e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.
Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.
In “Linhas de Força” – 1967
Tip. da Atlântida Ed.
António Gedeão **
(1906-1997)
**Pseudónimo de Rómulo Vasco da Gama de Carvalho
A SILENCIOSA FORÇA DAS FLORES
A silenciosa força das flores
Emana de suas cores
Que são a sua voz
Os seus anúncios
O seu mosaico de intenções
E digressões
Vitais em seus prenúncios
Sua beleza
Sua inestimável fineza
Está
Em seu corpo a corpo com o desejo
Sua façanha é
Inspirar o beijo
Do errante visitante que as fecunda
Silentes
Apelam
Dando gritos de perfume
In "A Neo-Penélope "
Editora & Etc.
Ana Hatherly
(1929-2015)
SEUS OLHOS
Seus olhos - se eu sei pintar
O que os meus olhos cegou
Não tinham luz de brilhar.
Era chama de queimar;
E o fogo que a ateou
Vivaz, eterno, divino,
Como facho do Destino.
Divino, eterno! - e suave
Ao mesmo tempo: mas grave
E de tão fatal poder,
Que, num só momento que a vi,
Queimar toda alma senti...
Nem ficou mais de meu ser,
Senão a cinza em que ardi.
In “Folhas Caídas – Livro Segundo”
Almeida Garrett
(1799-1854)
PODES LEVAR AS ROSAS QUE TROUXESTE
Podes levar as rosas que trouxeste.
Não as quero,
Nem me digas
Que has de ser perpetuamente
O motivo mais ardente
- O maior motivo
Das minhas cantigas.
Enganámo-nos, meu bem!
Agora que já conheço
Todo o sabor dos teus beijos,
Quero-te menos, e sinto
A febre de outros desejos
Que não podes entender...
Mas hei de lembrar-te, juro!
E tanto..., quanto puder.
In “Revista “Contemporanea”
Ano I – Volume I – Nº.1 Ano 1922
Pág. 37
Grafia original
António Botto
(1897-1959)
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. Eu li...
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