Sexta-feira, 30 de Junho de 2023

Recordando... Fernando Pessoa

EROS E PSIQUE

 

Conta a lenda que dormia 

Uma Princesa encantada 

A quem só despertaria 

Um Infante, que viria 

De além do muro da estrada.  

 

Ele tinha que, tentado, 

Vencer o mal e o bem, 

Antes que, já libertado, 

Deixasse o caminho errado 

Por o que à Princesa vem.  

 

A Princesa Adormecida, 

Se espera, dormindo espera, 

Sonha em morte a sua vida, 

E orna-lhe a fronte esquecida, 

Verde, uma grinalda de hera.  

 

Longe o Infante, esforçado, 

Sem saber que intuito tem, 

Rompe o caminho fadado, 

Ele dela é ignorado, 

Ela para ele é ninguém.  

 

Mas cada um cumpre o Destino – 

Ela dormindo encantada, 

Ele buscando-a sem tino 

Pelo processo divino 

Que faz existir a estrada.  

 

E, se bem que seja obscuro 

Tudo pela estrada fora, 

E falso, ele vem seguro, 

E vencendo estrada e muro, 

Chega onde em sono ela mora,  

 

E, inda tonto do que houvera, 

À cabeça, em maresia, 

Ergue a mão, e encontra hera, 

E vê que ele mesmo era 

A Princesa que dormia.  

 

In “Fernando Pessoa – Antologia Poética”

3ª. Edição – Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses

Editora Ulisses

 

Fernando Pessoa

(1888-1935)

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Domingo, 25 de Junho de 2023

Recordando... Álvaro de Campos

GOSTAVA DE GOSTAR DE GOSTAR

 

Gostava de gostar de gostar

Um momento... Dá-me de ali um cigarro,

Do maço em cima da mesa de cabeceira.

Continua... Dizias

Que no desenvolvimento da metafísica

De Kant a Hegel

Alguma coisa se perdeu.

Concordo em absoluto.

Estive realmente a ouvir.

Nondum amabam et amara amabam (Santo Agostinho).

Que coisa curiosa estas associações de ideias!

Estou fatigado de estar pensando em sentir outra coisa.

Obrigado. Deixa-me acender. Continua. Hegel...

 

s.d.

 

In “Poesias de Álvaro de Campos”

Editora Ática, 1944 (imp. 1993)

 

 

Álvaro de Campos

 

Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)

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Segunda-feira, 19 de Junho de 2023

Recordando... Alberto Caeiro

DIZEM QUE EM CADA COISA UMA COISA OCULTA MORA

 

Dizem que em cada coisa uma coisa oculta mora.

Sim, é ela própria, a coisa sem ser oculta,

Que mora nela.

 

Mas eu, com consciência e sensações e pensamento,

Serei como uma coisa?

Que há a mais ou a menos em mim?

Seria bom e feliz se eu fosse só o meu corpo -

Mas sou também outra coisa, mais ou menos que só isso.

Que coisa a mais ou a menos é que eu sou?

 

O vento sopra sem saber.

A planta vive sem saber.

Eu também vivo sem saber, mas sei que vivo.

Mas saberei que vivo, ou só saberei que o sei?

Nasço, vivo, morro por um destino em que não mando,

Sinto, penso, movo-me por uma força exterior a mim.

Então quem sou eu?

 

Sou, corpo e alma, o exterior de um interior qualquer?

Ou a minha alma é a consciência que a força universal

Tem do meu corpo por dentro, ser diferente dos outros?

No meio de tudo onde estou eu?

 

Morto o meu corpo,

Desfeito o meu cérebro,

Em coisa abstracta, impessoal, sem forma,

Já não sente o eu que eu tenho,

Já não pensa com o meu cérebro os pensamentos que eu sinto meus,

Já não move pela minha vontade as minhas mãos que eu movo.

 

Cessarei assim? Não sei.

Se tiver de cessar assim, ter pena de assim cessar,

Não me tomará imortal.

 

5-6-1922

 

In “Poemas Inconjuntos”

Poemas Completos de Alberto Caeiro

Recolha, transcrição e notas de Teresa Sobral Cunha

Editorial Presença - 1994

 

Alberto Caeiro

 

Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)

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Terça-feira, 13 de Junho de 2023

Recordando... Fernando Pessoa

MAR PORTUGUÊS

 

O mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!

 

Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não e pequena.

Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu.

 

In “Mensagem” 

(Segunda Parte – Mar Português)

Estante Editora

 

Fernando Pessoa

(1888-1935)

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Quarta-feira, 7 de Junho de 2023

Recordando... Alexander Search

HOMENS DO PRESENTE

 

Homens do presente, nada no passado,

Antes de serdes as coisas que vemos,

Quem podia ter sabido ou pensado

Que seríeis hoje aquilo que temos?

Ah, passantes pela mesma via,

Quem pôde pensar-vos antes deste dia?

 

Homens do presente e pó de amanhã,

Ao passar dos anos aonde ireis ter?

Que rude mudez ou ânsia em pressa vã

Irá registar vossa dor e prazer?

Ondas ou cristas do mar desta vida

Quem vos pensará passado este dia?

 

Só o génio pode o fogo atiçar

Que na natureza em vós abrigais;

Só o génio pode a lira tocar

E erguer vosso nome aos céus dos mortais;

O génio pode a morte romper

E o nada de ontem num tudo verter.

 

Mas a virtude, como os choros humanos,

Pelos areais depressa bebida,

Mergulha no pó dos passados anos

E nem sabereis onde está escondida.

Que o génio, então, possa ser laureado;

Que o pó de amanhã seja eternizado

 

1904

 

In “Poesia”

Edição e tradução de Luísa Freire

Assírio & Alvim - 1999

 

Alexander Search

 

Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)

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Quinta-feira, 1 de Junho de 2023

Recordando... Ricardo Reis

MESTRE, SÃO PLÁCIDAS

 

Mestre, são plácidas

Todas as horas

Que nós perdemos.

Se no perdê-las,

Qual numa jarra,

Nós pomos flores.

 

Não há tristezas

Nem alegrias

Na nossa vida.

Assim saibamos,

Sábios incautos,

Não a viver,

 

Mas decorrê-la,

Tranquilos, plácidos,

Tendo as crianças

Por nossas mestras,

E os olhos cheios

De Natureza...

 

À beira-rio,

À beira-estrada,

Conforme calha,

Sempre no mesmo

Leve descanso

De estar vivendo.

 

O tempo passa,

Não nos diz nada.

Envelhecemos.

Saibamos, quase

Maliciosos,

Sentir-nos ir.

 

Não vale a pena

Fazer um gesto.

Não se resiste

Ao deus atroz

Que os próprios filhos

Devora sempre.

 

Colhamos flores.

Molhemos leves

As nossas mãos

Nos rios calmos,

Para aprendermos

Calma também.

 

Girassóis sempre

Fitando o sol,

Da vida iremos

Tranquilos, tendo

Nem o remorso

De ter vivido.

 

Odes de Ricardo Reis

 

In “Fernando Pessoa – Antologia Poética” – 3ª. Edição

Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses – Editora Ulisses

Pág. 121/122

 

Ricardo Reis

 

Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)

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