AS VIRTUDES DIALOGAIS
Dentro
de mim
há uma planta
que cresce
alegremente
que diz
bom dia
quando nos amamos
ao entardecer
e boa noite
quando florimos
à alvorada
uma árvore
que não está com o tempo
este tempo
a que chamamos
nosso.
In "Actuação Escrita"
Editora & etc -1980
Pedro Oom
(1926-1974)
TODA A NOITE A LUA
Toda a noite a lua
dançou na orla do palmeiral. Seus braços de fina prata
revestiam de brilho o vermelho da terra; armadilha de astro cego
na desordem do mundo
E toda a noite ela saltou, rodopiou, encenou a mais estranha
coreografia no silêncio eloquente dos céus. Inconstante lua.
Dissimulada. Vai-te imagem de mil abismos – tu que a tantos
enredas com tuas múltiplas faces. Vai-te. Vai-te sinal do efémero,
maga do instante – tu que na vida dos homens, sempre que queres,
entras e sais. Vai-te e não voltes mais
In “Pelo deserto as minhas mãos”
Editora Coisas de Ler
Victor Oliveira Mateus
(N.1952)
SE BEM ME LEMBRO
«Se bem me lembro», dizem,
nemesianamente, mas sem igual facúndia
ou fascinação, para cair apenas
em histórias miúdas, importantes
sem dúvida mas não para quem
as ouve (nós). Memórias em mosaico,
lacunares, de avós com doenças
ou tardes absolutamente de verão
há décadas atrás, com gente que já morreu,
ou a biografia de uma cómoda,
e considerações pouco amáveis sobre uma
foto que se desprendeu do álbum.
Ouvimos, rimos de ironias
estritamente pessoais e etárias,
entendemo-nos como receptores
destas reminiscências inevitáveis,
aborrecidas e centrais,
entendemos mais ou menos
que também havemos de maçar
as «gerações vindouras» com contos assim,
acrescentando pontos e observando,
sem perceber porquê, que os netos
e os sobrinhos parecem achar
banais ou mesmo senis os pormenores
de uma certa manhã, há cinquenta anos atrás,
e sobre a qual, como já fizeram connosco,
não contamos tudo.
In "Em Memória"
Gótica Editora
Pedro Mexia
(N.1972)
AS PALAVRAS FEREM-SE NO VENTO...
As palavras ferem-se no vento,
retraem-se no íntimo da concha.
As palavras em hélice padecem
a tortura do indeciso tempo.
Saltam da alma como peixes. Ficam
asfixiantes na aridez da terra.
As palavras batem contra o espelho
e evitam o rosto reflectido.
A etimologia emigra no silêncio.
As palavras resignam. E o reino
da esfinge, frio, imperturbável.
As palavras espantam-se no vento
do claro Sol, da limpidez da água.
Os archeiros d'El-Rei pisam a noite
e exigem-lhes à entrada o passaporte.
O frio gládio alveja o peito
e as puríssimas vestes poisam, lentas.
Revistam-lhes as tranças e o sorriso
e mesmo assim a sentinela embarga
o limiar da linha alfandegária.
As palavras vestem o cilício
da conturbada hora em que nasceram
palpitantes, vívidas, certeiras.
As palavras à esquina do silêncio
rastejam ao luar, sob a fronteira.
In “ÁRVORE”
Folhas de Poesia
1.º Fascículo - Inverno de 1951-52
Pág.130/131
José Terra **
(1928-2014)
** Pseudónimo José Fernandes da Silva
ANJOS CAÍDOS
Neste palco de sol,
de repente:
os teus lábios:
anjos caídos mas abençoando
Cada curva e tremura
dentro do nervo exacto
da memória
Por esses lábios
eu faria tudo:
rasgava-me de sangue
e inocência,
partia com as mãos vitrais
e estrelas,
desintegrava o sol
Já não anjos caídos
os teus lábios,
mas deuses transportados
pelos meus
In “Imagias”
Gótica Editora
Ana Luísa Amaral
(1965-2022)
A VOZ DO SILÊNCIO
Hoje eu vi, mas calei
Os meus olhos cegos,
Perdidos, no vazio
A olhar, desviados no chão,
Onde agora conseguem ver,
Cobardemente,
A voz que dizendo, enche
O silêncio, que calado diz não.
In “Ser Como Tu”
Esfera do Caos
Miguel Almeida
(N.1970)
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