Ó TU, QUE VENS DO FUNDO DA NOITE!
Quis gritar
e o grito morreu numa floresta de sonho.
Quis cantar
e a voz ficou-se no espaço
onde um pássaro voava
(não era azul, nem cinzento, nem verde)
era da cor do pensamento
que é mais vasto do que o espaço,
que é mais vasto do que tudo.
Quis chorar
e nas montanhas
das pedras nasceram homens, dos homens nasceram uivos...
e sem gritos, sem Cantos, sem choros
eu encontrei-te, o tu,
que vens do fundo da noite...
In “Poemas da Hora Presente”
Lília da Fonseca
(1916-1991)
AUTO-RETRATO
O’Neill (Alexandre), moreno português,
cabelo asa de corvo; da angústia da cara,
nariguete que sobrepuja de través
a ferida desdenhosa e não cicatrizada.
Se a visagem de tal sujeito é o que vês
(omita-se o olho triste e a testa iluminada)
o retrato moral também tem os seus quês
(aqui, uma pequena frase censurada...)
No amor? No amor crê (ou não fosse ele O’Neill!)
e tem a veleidade de o saber fazer
(pois amor não há feito) das maneiras mil
que são a semovente estátua do prazer.
Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se
do que neste soneto sobre si mesmo disse…
In “Poesias Completas”
Assírio & Alvim
Alexandre O’Neill
(1924-1986)
VIOLA CHINESA
Ao longo da viola morosa
Vai adormecendo a parlenda
Sem que, amadornado, eu atenda
A lenga-lenga fastidiosa.
Sem que o meu coração se prenda,
Enquanto, nasal, minuciosa,
Ao longo da viola morosa,
Vai adormecendo a parlenda.
Mas que cicatriz melindrosa
Há nele, que essa viola ofenda
E faz que as asitas distenda
Numa agitação dolorosa?
Ao longo da viola, morosa…
Clepsidra
In ”Ler Por Gosto”
Areal Editores
Camilo Pessanha
(1867-1926)
CONVÍVIO TRANSMONTANO
Há dias, numa quinta, alegre e fresca,
Aconteceu uma coisa simplesmente bela:
Celebrou-se um aniversário em tom de festa
E houve missa celebrada na capela.
Apareceram joviais e prazenteiros,
Atravessando alguns, até o velho Marão,
Envergando os seus fatos domingueiros,
Trazendo esperança e fé no coração.
Era um grupo onde o estrato social,
Nesse dia, ficou pendurado no armário.
Pois todos comungamos o mesmo ideal,
Vivendo intensamente aquele aniversário.
E assim se fez. O bom repasto serviu,
Para sublimar este encontro anual.
Afinaram-se as gargantas, pois se ouviu,
Felizes transmontanos a cantar.
(Buscando o Amor)
In “União dos Escritores e Artistas
Transmontanos e Altodurienses – UNEARTA”
Revista mensal - N.º 2 - Ano 1 - Janeiro 2002
Manuel Amendoeira
(N.1940)
O MEU CHINEZ
Nos olhos de sêda
traçados em viez,
tem um ar tão sensual
o meu Chinez…
Vive sobre uma almofada
de setim bordada,
pintado a côres.
Às vezes
numa ansia inquieta
que eu não mitigo,
e que me domina,
num sonho de poeta
ou de heroina,
fujo levando
o meu Chinez comigo!
E lá vamos!
Nem eu sei
para que alcovas orientais,
em que paizes distantes,
realisar
as horas sensuaes,
as horas delirantes
com que eu sonhei…
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Eu e o meu Chinez
temos fugido tanta, tanta vez!
In “Contemporanea”
Ano I – Volume II – Nº.6 - Ano 1922
Pág. 128
Mantém a grafia original
Judith Teixeira **
(1880-1959)
** Judite dos Reis Ramos Teixeira
A QUINTA DA PANASQUEIRA
Mote
Fui apalpar as gamboas
que a quinteira tem na quinta,
já tem marmelos maduros,
o seu bastardo já pinta.
Glosa
Sou mestre na agricultura,
meu saber ninguém disputa,
gosto de apalpar a fruta
quando está quase madura…
Gosto do que tem doçura;
quero e gosto das mais pessoas
para apalpar coisas boas
da quinta da Panasqueira,
com licença da quinteira,
fui apalpar as gamboas.
Por toda a parte que andei
dei cambalhotas e saltos,
depois de apalpar pêlos altos
pêlos baixos apalpei.
Por toda a parte encontrei
fruta branca e fruta tinta;
para que a dona não se sinta
nunca direi mal da boda,
apalpei a fruta toda
que a quinteira tem na quinta.
Neste tão lindo arvoredo
não há fruta como a sua,
foi criada em boa lua
para amadurecer mais cedo.
Menina, não tenha medo
que os seus frutos estão seguros,
ou sejam moles ou duros
todos a têm em estima,
na sua quinta de cima
já tem marmelos maduros.
Tem uma árvore escondida
Num regato ao pé de um poço,
que dá fruta sem caroço
chamada gostos da vida.
Dessa fruta pretendida
que a menina tem na quinta,
se acaso tem uva tinta
a menina dê-me um cacho,
que na sua quinta de baixo
o seu bastardo já pinta.
In “Antologia de Poesia Erótica e Satírica Portuguesa”
Selecção, prefácio e notas de Natália Correia
5ª Edição - 2008
Antígona - Frenesi
António Maria Eusébio
(1819 – 1911)
Também conhecido por “Calafate” ou o “Cantador de Setúbal”
. Mais poesia em
. Eu li...
. Recordando... Natália Cor...
. Recordando... Nicolau Tol...
. Recordando... Reinaldo Fe...
. Recordando... Rosa Alice ...
. Recordando... Rosa Lobato...
. Recordando... Sophia de M...
. Recordando... Fernando Ec...
. Recordando... Hélia Corre...
. Recordando... Edmundo Bet...