REQUIEM
A tarde declina com uma luz ténue.
Estou grave e calmo.
Não preciso de ninguém
Nem a luz da tarde me comove: entendo-a.
Até as imagens me são inúteis porque contemplo tudo.
Os ventos rodam, rodam, gemem e cantam
E voltam. São os mesmos:
Como os conheço desde a infância!
E a terra húmida das tapadas da quinta ...
O estrume da égua morta quando eu tinha seis anos
Gira transparente nesta brisa fria ...
(Na noite gotas de orvalho sumiam-se sob as folhas das ervas ... )
Oh, não há solidão nas neblinas de inverno
Pela erma planície...
E foi engano julgar-te morto e tão só nas tapadas em silêncio ...
Agora sei que vives mais
Porque começo a sentir a tua presença, grande como o silêncio ...
Já me não vem a vaga tristeza do teu chamamento longínquo.
Já me confundo contigo.
In “ÁRVORE ”
Folhas de Poesia
Direcção e Edição de António Luís Moita, António Ramos Rosa,
José Terra, Luís Amaro, Raul de Carvalho
1.º Fascículo - Outono de 1951
Pág. 18
Cristovam Pavia **
(1933-1968)
** Pseudónimo de Francisco António Lahmeyer Flores
A FONTE DOS AMORES EM COIMBRA
Fonte, mais pura que o lustroso vidro,
mais que o vivo cristal que as rochas veste,
ó de inocentes míseros amores
outr'ora testemunha;
Com que verso, que iguale o que mereces,
cantarei dignamente as águas tuas,
e a relva que te borda a fresca terra,
e as flores que a matizam?
Em que verso melhor folgas que entoe
digno louvor às árvores anosas
que te cercam benéficas, lançando
amiga sombra aos vates?
Se de outras cordas minha lira ornasse
de Maia o filho, o alígero Mercúrio,
se novos sons em minha voz criassem
as ondas de Aganipe.
Então celebraria os nobres seixos,
onde o sangue de Inês o tempo adora,
onde o sangue de Inês inda hoje arranca
o pranto a Amor e às ninfas.
Os zéfiros e as auras n’ este sítio
sem que os ais da infeliz jamais esqueçam
tristes movendo a trémula folhagem
saudade doce avivam
As águas luas, e as vizinhas letras,
sobre as quais cada dia Amor suspira,
o sangue inda recente, os velhos troncos,
tudo te faz formosa.
Corre, ó Fonte das Lágrimas; ah! sempre
aos ternos corações de amantes tristes
corras grata e suave, e tenhas deles
os cultos que te sagro!
In “Encantada Coimbra”
Adosinda Providência Torgal, Madalena Torgal Ferreira
Publicações Dom Quixote, 2003
António Feliciano de Castilho
(1800-1875)
QUEM POLUIU…
Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho,
Onde esperei morrer - meus tão castos lençóis?
Do meu jardim exíguo os altos girassóis
Quem foi que os arrancou e lançou no caminho?
Quem quebrou (que furor cruel e simiesco!)
A mesa de eu cear, – tábua tosca de pinho?
E me espalhou a lenha? E me entornou o vinho?
Da minha vinha o vinho acidulado e fresco?
Ó minha pobre mãe!... Não te ergas mais da cova.
Olha a noite, olha o vento. Em ruína a casa nova...
Dos meus ossos o lume a extinguir-se breve.
Não venhas mais ao lar. Não vagabundes mais.
Alma da minha mãe... Não andes mais à neve,
De noite a mendigar às portas dos casais.
(Clepsidra)
In ”Ler Por Gosto”
Areal Editores
Camilo Pessanha
(1867-1926)
OLHA-ME AGORA…
Olha-me agora, que me tens vencido
e sou nas tuas mãos pobre veludo,
de pele morta e rota mal vestido
e, de sábio que sou, já tartamudo.
Fala-me agora, que não tenho boca.
e sou na tua pele mero ouvido,
diz-me palavras soltas sem sentido
ou pede-me por graça o consentido.
Olha-me só para que veja como
tão claro e fundo olhar me tem mantido
na solidão sem nome deste pranto;
ou escreve em mim com hálito de lume
para que seja eu a enrodilhada chama
que se esquece de si e sonha o fumo.
In “Duende”
Assírio & Alvim
António Franco Alexandre
(N.1944)
SAFO
Safo ao mar se precipita
Por impulso da paixão,
Vinga em si o alheio crime
Da pérfida ingratidão.
Muitos anos respeitado
Foi o penedo fatal,
Mas por força dum exemplo
Logo um mal causa outro mal.
Se fizerem assim todas,
Que se vêem desprezadas,
Foram de vítimas tristes
As brancas ondas coalhadas.
Sem ti que vale a firmeza,
Ó santa conformidade?
Tu a perdoar ensinas
Loucuras da humanidade.
In "Antologia das Mulheres Poetas Portuguesas"
Selecção, prefácio e notas de António Salvado
Editorial Delfos
Catarina de Lencastre
(1749-1824)
A BELEZA
A beleza
Sempre foi
Um motivo secundário
No corpo que nós amamos;
A beleza não existe,
E quando existe não dura.
A beleza
Não é mais do que o desejo
Fremente
Que nos sacode...
- O resto, é literatura.
In “As Canções de António Botto”
Editorial Presença
António Botto
(1897-1959)
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