OS DEUSES…
Os deuses, só de os pensar existem.
Quando me sento a esta mesa e deixo
que o pensamento se concentre, a flecha
fende os ares e o real e tomba
aonde os deuses libam o meu sangue.
Sanguessugas os deuses; e contudo
damos-lhes rostos para que se tornem
mais suportáveis no convívio absurdo
que nos impomos quando estamos sós.
São mudos os deuses. E é por isso
que o que não dizem nos isola e oprime.
Moscas são os deuses, quando zunem
no momento do sono, à nossa volta.
Por vezes riem e dançam, mas tão longe!
In “Espelho do Invisível”
Livraria Morais Editora
José Terra **
(1928-2014)
** Pseudónimo de José Fernandes da Silva
CAI A CHUVA ABANDONADA
Cai a chuva abandonada
à minha melancolia,
a melancolia do nada
que é tudo o que em nós se cria.
Memória estranha de outrora
não a sei e está presente.
Em mim por si se demora
e nada em mim a consente
do que me fala à razão.
Mas a razão é limite
do que tem ocasião
de negar o que me fite
de onde é a minha mansão
que é mansão no sem-limite.
Ao longe e ao alto é que estou
e só daí é que sou.
In “Conta-Corrente 1”
Livraria Bertrand - 1981
Vergílio Ferreira
(1916-1996)
A CIDADE EQUESTRE
A cidade equestre
No rio mergulha
Seus cascos de granito
E sobe
A galope
Encosta arriba
Num salto a prumo
(Lá onde o casario morre)
Upa!
É uma torre
Torre de pedras e nuvem
De pássaros de fogo
De corpo de mulher
Torre de tudo e de quanto
O sonho
A palavra o canto
Pode e quer
Linhas do Trópico - 1977
In “Obra Completa”
Campo das Letras
Luís Veiga Leitão **
(1912-1987)
** Pseudónimo de Luís Maria Leitão
COISAS QUE NÃO HÁ QUE HÁ
Uma coisa que me põe triste
é que não existe o que não existe.
(Se é que não existe, e isto é que existe!)
Há tantas coisas bonitas que não há:
coisas que não há, gente que não há,
bichos que já ouve e já não há,
livros por ler, coisas por ver,
feitos desfeitos, outros feitos por fazer,
pessoas tão boas ainda por nascer
e outras que morreram há tanto tempo!
Tantas lembranças de que não me lembro,
Sítios que não sei, invenções que não invento,
gente de vidro e de vento, países por achar,
paisagens, plantas, jardins de ar,
tudo o que eu nem posso imaginar
porque se o imaginasse já existia
embora num lugar onde só eu ia...
In “O pássaro da cabeça e mais versos para crianças”
Assírio & Alvim
Manuel António Pina
(1943-2012)
DUPLO IMPÉRIO
Atravesso as pontes mas
(o que é incompreensível)
não atravesso os rios,
preso como uma seta
nos efeitos precários da vontade.
Apenas tenho esta contemplação
das copas das árvores
e dos seus prenúncios celestes,
mas não chego a desfazer
as flores brancas e amarelas
que se desprendem.
As estações não se conhecem,
como lhes fora ordenado,
mas tecem o duplo império
do amor e da obscuridade. "
In "Duplo Império"
Pedro Mexia
(N.1972)
ATENTO MEU OLHAR SE REVIGORA
Atento meu olhar se revigora no cais sempre aberto
em que discorro. E sem o látego de impassíveis fantasias
ou de crenças usadas como socorro. À palavra me vou
dando no concreto que percorro. Observo ruas, rostos,
para lá de logros e madrugadas enganosas e sentado
no café insisto leituras que tento copiosas.
Mas se acaso, num inverno que já pressinto, relâmpagos
e trovões falsearem tudo o que vi, imune voltarei ao mesmo
tempo – indisfarçável véspera em que vivi. Atento meu olhar
se revigora neste cais, onde toda a cidade desfila eu eu,
sem máscara nem embuste, indago. Em cuidado me gostaria
para sempre, mas tal não posso neste ermo fustigado por duros
vendavais e monótona bonança. Que me fique a invendável
liberdade, listada a fogo com ferretes de esperança.
In “A irresistível voz de Ionatos”
Editora Labirinto
Victor Oliveira Mateus
(N.1952)
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