A ORAÇÃO DA MALCASADA
Escutai naquela cama
A oração da mal-casada!
Dir-se-ia a última chama
Que ainda não foi apagada…
Nem se move.
Nem respira.
Não vá a carne acordar!
Amor?
- Já não há mentira…
Noite?
- Já não há luar…
E mais negra de hora a hora
(Negra ou branca, branca e fria?)
É em silêncio que chora
A sua monotonia…
In ”Eu desci aos infernos” - 1972
Pedro Homem de Mello
(1904-1984)
NÃO NECESSARIAMENTE UMA PALAVRA
Há versos silenciosos ocultos submersos
no sangue no recato no pudor
há versos que quem os sente fica sem saber
se está doente ou tonto e se o melhor
não será disfarçar para que ninguém
repare na mudança
da fala do andar do gesto
ou até do silêncio.
Um poema infiltra-se. Salta por dentro
rompe todos os diques da convenção
ninguém pode conter um poema
mesmo que seja apenas
uma vogal que de repente fica azul
ou uma consoante que desata a rabiar
ninguém pode conter essa toada
esse tremor de terra que sem que se dê por isso
altera subitamente a vida
e acende nas artérias mais obscuras
não necessariamente uma palavra
mas um fogo submerso
uma espécie de pedra cintilante
um fluxo de lava.
Ainda que se não saiba é já um verso
algo que bate fundo
como a sílaba cantante
do poema do mundo...
In "Doze Naus"
Publicações Dom Quixote
Manuel Alegre
(N.1936)
PARA A CRISTINA COMO TUDO
Hás-de chegar com o corpo
Encostado ao rosto
Da cidade.
Com teus olhos
Decididamente tristes
Vens tomar a minha mão
Dar-lhe o gosto das cerejas
E levá-la ao teu
Mais secreto descaminho.
Hás-de chegar
Nas asas do silêncio
Tão mansa como a tarde
Que se esvai
Entornando sobre o chão
O perfil agudo das paredes.
Chegas hoje ou amanhã
Quem sabe?
Hás-de chegar de surpresa
Como sempre
Desviando o sentido dos relógios
E pedindo que o desejo
Se vista de veludo.
In “Elogio dos Peixes, das Pedras e dos Simples”
Campo das Letras
José Fanha
(N.1951)
COMO DIZER O SILÊNCIO?
Se em folhagem de poema
me catais anacolutos
é vossa a fraude. A gema
não desce a sons prostitutos.
O saltério, diletante,
fere a Musa com um jasmim?
Só daí para diante
da busca estará o fim.
Aberta a porta selada,
sou pensada já não penso.
Se a Musa fica calada
como dizer o silêncio?
Atirar pérola a porco?
Não me queimo na parábola.
Em mãos que brincam com o fogo
é que eu não ponho a espada.
Dos confins, o peristilo
calo com pontas de fogo,
e desse casto sigilo
versos são só desafogo.
E também para que me lembrem
deixo-os no mercado negro,
que neles glórias se vendem
e eu não sou só desapego.
Raiz de Deus entre os dentes,
aí, pára a transmissão.
Ultrassons dessas nascentes
só aves entenderão.
In “O Dilúvio e a Pomba”
Edições Dom Quixote - 1979
Natália Correia
(1923-1993)
AS ONDAS QUE SE ENCONTRAM
As ondas que se encontram
ainda agora em formação no espírito
dele já não vêm rebentar ao meu.
Por mim não volto a vê-lo, encontros houve
com ele dos quais a alma ficou cheia de dedadas.
Já nem sequer dele quero ouvir falar,
saber que se ele
fosse uma cama estaria por fazer nada me traz
agora além de desconforto.
In “Poemas”
Limiar, 1987
Luís Miguel Nava
(1957-1995)
À NOITE AO LUAR
Vem
Vem apenas!
Trás arminhos
Flores silvestres
O aroma da terra
O teu sorriso
A tua brisa
O teu calor
E,
No silêncio deste Luar
Mergulha no habitáculo da tua alma
Vigia a Lua com o mar dentro,
Recolhe a sua magia
Resgatando para sempre
O Homem que em ti mora.
In “40 Poetas Transmontanos de Hoje”
Volume I – 2017
Academia de Letras de Trás-os-Montes
Âncora Editora
Irene Silva
(N.1954)
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