Sexta-feira, 25 de Fevereiro de 2022

Recordando... Hélia Correia

A TERCEIRA MISÉRIA É ESTA...

 

A terceira miséria é esta, a de hoje.

A de quem já não ouve nem pergunta.

A de quem não recorda. E, ao contrário

Do orgulhoso Péricles, se torna

Num entre os mais, num entre os que se entregam,

Nos que vão misturar-se como um líquido

Num líquido maior, perdida a forma,

Desfeita em pó a estátua.

 

In “A Terceira Miséria”

Relógio d’Água - 2012

 

Hélia Correia

(N.1949)

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Sábado, 19 de Fevereiro de 2022

Recordando... Egito Gonçalves

VIAGEM

 

Com um sobressalto cessa o realejo…

Outra vez o pequeno quarto, outra vez as paredes,

as sujas paredes albergando objectos familiares

de utilidade definida, visíveis a olho nu.

Outra vez tudo como antes da viagem. Agora

a, escada de corda atravessou a clarabóia,

parou no meio do quarto, desci por ela – Aqui estou!

A mulher que se desprende de mim e se levanta

é uma estranha e nua criatura… De onde a recordo?

Um odor irritante apossa-se do ar,

um odor acre sem nada de sobrenatural

mas que dissolve a escada de corda como um ácido.

Tudo está completo dentro da sua dimensão;

vem de longe o eco de risos e de vozes;

o sonho está cicatrizado. A mulher atravessa o quarto

e grita para além da porta, numa estridência aguda:

– ÁGUA.

 

In “ÁRVORE ”

Folhas de Poesia

1.º Fascículo - Outubro de 1951

Pág. 58

 

Egito Gonçalves

(1920-2001)

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Domingo, 13 de Fevereiro de 2022

Recordando... Artur do Cruzeiro Seixas

ERA UMA PEDRA FEMININA

 

Era uma pedra feminina

muito perto de uma pedra bem masculina

onde

a todo o comprimento do mastro

batiam os dentes das aves.

E o que restava das mãos mais antigas

pedia ainda dinamite

talheres avulso

mastodontes inviolados

alguns jovens em renda para bordar as estradas

hastes primaveris correndo o risco de se tornarem de bronze

acenando

a uma paisagem

hexagonal

maior que a soma de todas as janelas.

 

In “Obra Poética”

Porto Editora

 

Artur do Cruzeiro Seixas

(1920-2020)

Portugal

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Segunda-feira, 7 de Fevereiro de 2022

Recordando... Carlos Carranca

PESAM SOBRE MIM

 

Pesam sobre mim

séculos de silêncio e tradição

Pesam sobre mim

recordações enigmas

Pesam sobre mim

séculos de poemas

oblações paradigmas

Pesam sobre mim

esses lugares de origem

antiquíssimos eternos

subterrâneos dizem,,,

Sobre mim

na paz vingada dos mortos

Pesam séculos absortos

séculos.

 

In “Antologia de Poetas Figueirenses (1875-2013)”

 

Carlos Carranca

(N.1957)

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Terça-feira, 1 de Fevereiro de 2022

Recordando... António Gedeão **

POEMA DO HOMEM SÓ

 

Sós,

irremediavelmente sós,

como um astro perdido que arrefece.

Todos passam por nós

e ninguém nos conhece.

 

Os que passam e os que ficam.

Todos se desconhecem,

Os astros não se explicam:

arrefecem.

 

Nesta envolvente solidão compacta,

quer se grite ou não se grite,

nenhum dar-se de dentro se refracta

nenhum ser nós se transmite.

 

Quem sente o meu sentimento

sou eu só, e mais ninguém.

Quem sofre o meu sofrimento

sou eu só, e mais ninguém.

Quem estremece este meu estremecimento

sou eu só, e mais ninguém.

 

Dão-se os lábios, dão-se os braços,

dão-se os olhos, dão-se os dedos,

bocetas de mil segredos

dão-se em pasmados compassos;

dão-se as noites, dão-se os dias,

dão-se aflitivas esmolas,

abrem-se e dão-se as corolas

breves das carnes macias;

dão-se os nervos, dá-se a vida,

dá-se o sangue gota a gota,

como uma braçada rota

dá-se tudo e nada fica.

 

Mas este íntimo secreto

que no silêncio concentro,

este oferecer-se de dentro

num esgotamento completo,

este ser-se sem disfarce,

virgem de mal e de bem,

este dar-se, este entregar-se,

descobrir-se e desflorar-se,

é nosso, de mais ninguém.

 

(Teatro do Mundo)

 

In “Obra Completa de António Gedeão”

Editor Relógio d'Água

 

António Gedeão **

(1906-1997)

 

** Pseudónimo de Rómulo Vasco da Gama de Carvalho

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