Segunda-feira, 31 de Janeiro de 2022

Recordando... Almeida Garrett

DESTINO

 

Quem disse à estrela o caminho
Que ela há-de seguir no céu?
A fabricar o seu ninho
Como é que a ave aprendeu?
Quem diz à planta «Floresce!»
E ao mudo verme que tece
Sua mortalha de seda
Os fios quem lhos enreda?

Ensinou alguém à abelha
Que no prado anda a zumbir
Se à flor branca ou à vermelha
O seu mel há-de ir pedir?

Que eras tu meu ser, querida,
Teus olhos a minha vida,
Teu amor todo o meu bem...
Ai! não mo disse ninguém.
Como a abelha corre ao prado,
Como no céu gira a estrela,
Como a todo o ente o seu fado
Por instinto se revela,
Eu no teu seio divino
Vim cumprir o meu destino...
Vim, que em ti só sei viver,
Só por ti posso morrer.

 

In “Folhas Caídas – Livro Primeiro”

 

Almeida Garrett

(1799-1854)

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Terça-feira, 25 de Janeiro de 2022

Recordando... Maria Almira Medina

O MENINO E A FLOR

 

Era uma vez um menino

 

Era uma vez o papão

Era uma vez milhões de homens

cobertos de maldição...

 

Medalhas de oiro

foguetes

bandeirinhas de mil cores

flores de papel aos centos

diplomas e honrarias

 

tronos penas de pavão

homenagens monumentos

discursos

desfalques

roubos

assassinatos

infâmias

ah! negreiros do meu tempo

traficantes e falsário

permitam o céu às aves

deixem crescer o menino

com uma flor no coração!

 

Era uma vez um menino

Era uma vez o papão

Era uma vez milhões de homens

cobertos de maldição...

 

A mentira anda na rua

passeia na praça pública

puxa os cabelos às moças

faz caretas

piruetas

e trejeitos

grita

cospe nas estrelas

rasga o menino

e arranca dele uma flor

 

que pisa a pés que desfaz!

Senhores polícias

não deixem

 

violar um coração

algemem a violadora

apanhem a flor do chão!

 

Era uma vez um menino

Era uma vez o papão

Era uma vez milhões de homens

cobertos de maldição...

 

In “Antologia da Poesia Feminina Portuguesa”

Organizada por António Salvado

Edições JF (Jornal do Fundão)

 

Maria Almira Medina

(1920-2016)

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Quarta-feira, 19 de Janeiro de 2022

Recordando... Al Berto **

É TARDE  MEU AMOR

 

é tarde meu amor

estou longe de ti com o tempo, diluíste-te nas veias das marés, na saliva de meu corpo sofrido

agora, tuas máquinas trituraram-me, cospem-me, interrompem o sono

habito longe, no coração vivo das areias, no cuspo límpido dos corais...

a solidão tem dias mais cruéis

 

tentei ser teu, amar-te e amar o falso ouro...quis ser grande e morrer contigo

enfeitar-me com as tuas luas brancas, pratear a voz em tuas águas de seda...cantar-te os gestos com ternura

mas não

 

águas, águas inquinadas pulsando dentro do meu corpo, como um peixe ferido, louco

em mim a lama... e o visco inocente dos teus náufragos sem nome-de-rua, nem estátua-de-jardim-público

aceito o desafio do teu desdém

 

na boca ficou-me um gosto a salmoura e destruição

apenas possuo o corpo magoado destas poucas palavras tristes que te cantam

 

In “O Medo”

Assírio & Alvim

 

Al Berto **

(1948-1997)

 

** Pseudónimo de Alberto Raposo Pidwell Tavares

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Quinta-feira, 13 de Janeiro de 2022

Recordando... Mário Cesariny

DORME MEU FILHO

 

Dorme meu filho

dezenas de mãos femininas trabalham

a atmosfera

onde os namorados pensam

cartazes simples

um por exemplo

minúsculo crustáceo denominado ciclope

por baixo da pele ou entre os músculos

 

Dorme meu filho

o amor

será

uma arma esquecida

um pano qualquer como um lenço

sobre o gelo das ruas

 

In "Pena Capital"

Assírio & Alvim

 

Mário Cesariny

(1923-2006)

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Sexta-feira, 7 de Janeiro de 2022

Recordando... Luiza Neto Jorge

BALADA APÓCRIFA

 

Olhai os lírios do campo

meninas de saia rodada

íris de teias de aranha

desvendam o mar nas searas

 

olhai os lírios do campo

em copos de limonada

 

Os soldados em manobras

enterram a sombra caiada

(Bebei os lírios de água

com grandes bicos de aves)

 

Sofreram sempre derrota

deixaram mãos enforcadas

em lençóis com clarins

grades de pernas doada

 

Olhai os lírios do campo

meninas virgens por dentro

 

Os soldados em manobras

têm noite por espingarda

Colhei os lírios do corpo

meninas de saia travada.

 

In “Poesia 1960-1989”

Assírio & Alvim

 

Luiza Neto Jorge

(1939-1989)

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Sábado, 1 de Janeiro de 2022

Recordando... Adolfo Casais Monteiro

O FIM DA NOITE

 

A nossa história é simples: somos

neste momento todo o amor na terra

e nada mais importa, senão

o que sou, verdade em ti,

o que és, verdade em mim.

Por isso este poema talvez não seja

mais que um silêncio pela noite,

nem verso, nem prosa, só

uma oração ao deus desconhecido.

 

Não é talvez senão o teu olhar,

e tua esquiva mágoa,

o teu riso e tuas lágrimas.

E o apelo dentro de mim

ao milagre de nos querermos,

com a mágoa e com o riso,

- e teu olhar que vê em mim.

 

Não sei pedir, sei só esperar.

Mas já houve o milagre. Estava

agora comigo ao longo das ruas, que antes

eram só casas de pálpebras cerradas.

Estava no silêncio, que antes

era mortal.

 

E tu, sem eu saber, estavas comigo.

E sem eu saber de súbito na treva

buliram asas

e sem eu saber era já dia.

 

In “Poesias Completas”

Editora Portugália  

 

Adolfo Casais Monteiro

(1908-1972)

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