DESTINO
Quem disse à estrela o caminho
Que ela há-de seguir no céu?
A fabricar o seu ninho
Como é que a ave aprendeu?
Quem diz à planta «Floresce!»
E ao mudo verme que tece
Sua mortalha de seda
Os fios quem lhos enreda?
Ensinou alguém à abelha
Que no prado anda a zumbir
Se à flor branca ou à vermelha
O seu mel há-de ir pedir?
Que eras tu meu ser, querida,
Teus olhos a minha vida,
Teu amor todo o meu bem...
Ai! não mo disse ninguém.
Como a abelha corre ao prado,
Como no céu gira a estrela,
Como a todo o ente o seu fado
Por instinto se revela,
Eu no teu seio divino
Vim cumprir o meu destino...
Vim, que em ti só sei viver,
Só por ti posso morrer.
In “Folhas Caídas – Livro Primeiro”
Almeida Garrett
(1799-1854)
O MENINO E A FLOR
Era uma vez um menino
Era uma vez o papão
Era uma vez milhões de homens
cobertos de maldição...
Medalhas de oiro
foguetes
bandeirinhas de mil cores
flores de papel aos centos
diplomas e honrarias
tronos penas de pavão
homenagens monumentos
discursos
desfalques
roubos
assassinatos
infâmias
ah! negreiros do meu tempo
traficantes e falsário
permitam o céu às aves
deixem crescer o menino
com uma flor no coração!
Era uma vez um menino
Era uma vez o papão
Era uma vez milhões de homens
cobertos de maldição...
A mentira anda na rua
passeia na praça pública
puxa os cabelos às moças
faz caretas
piruetas
e trejeitos
grita
cospe nas estrelas
rasga o menino
e arranca dele uma flor
que pisa a pés que desfaz!
Senhores polícias
não deixem
violar um coração
algemem a violadora
apanhem a flor do chão!
Era uma vez um menino
Era uma vez o papão
Era uma vez milhões de homens
cobertos de maldição...
In “Antologia da Poesia Feminina Portuguesa”
Organizada por António Salvado
Edições JF (Jornal do Fundão)
Maria Almira Medina
(1920-2016)
É TARDE MEU AMOR
é tarde meu amor
estou longe de ti com o tempo, diluíste-te nas veias das marés, na saliva de meu corpo sofrido
agora, tuas máquinas trituraram-me, cospem-me, interrompem o sono
habito longe, no coração vivo das areias, no cuspo límpido dos corais...
a solidão tem dias mais cruéis
tentei ser teu, amar-te e amar o falso ouro...quis ser grande e morrer contigo
enfeitar-me com as tuas luas brancas, pratear a voz em tuas águas de seda...cantar-te os gestos com ternura
mas não
águas, águas inquinadas pulsando dentro do meu corpo, como um peixe ferido, louco
em mim a lama... e o visco inocente dos teus náufragos sem nome-de-rua, nem estátua-de-jardim-público
aceito o desafio do teu desdém
na boca ficou-me um gosto a salmoura e destruição
apenas possuo o corpo magoado destas poucas palavras tristes que te cantam
In “O Medo”
Assírio & Alvim
Al Berto **
(1948-1997)
** Pseudónimo de Alberto Raposo Pidwell Tavares
DORME MEU FILHO
Dorme meu filho
dezenas de mãos femininas trabalham
a atmosfera
onde os namorados pensam
cartazes simples
um por exemplo
minúsculo crustáceo denominado ciclope
por baixo da pele ou entre os músculos
Dorme meu filho
o amor
será
uma arma esquecida
um pano qualquer como um lenço
sobre o gelo das ruas
In "Pena Capital"
Assírio & Alvim
Mário Cesariny
(1923-2006)
BALADA APÓCRIFA
Olhai os lírios do campo
meninas de saia rodada
íris de teias de aranha
desvendam o mar nas searas
olhai os lírios do campo
em copos de limonada
Os soldados em manobras
enterram a sombra caiada
(Bebei os lírios de água
com grandes bicos de aves)
Sofreram sempre derrota
deixaram mãos enforcadas
em lençóis com clarins
grades de pernas doada
Olhai os lírios do campo
meninas virgens por dentro
Os soldados em manobras
têm noite por espingarda
Colhei os lírios do corpo
meninas de saia travada.
In “Poesia 1960-1989”
Assírio & Alvim
Luiza Neto Jorge
(1939-1989)
O FIM DA NOITE
A nossa história é simples: somos
neste momento todo o amor na terra
e nada mais importa, senão
o que sou, verdade em ti,
o que és, verdade em mim.
Por isso este poema talvez não seja
mais que um silêncio pela noite,
nem verso, nem prosa, só
uma oração ao deus desconhecido.
Não é talvez senão o teu olhar,
e tua esquiva mágoa,
o teu riso e tuas lágrimas.
E o apelo dentro de mim
ao milagre de nos querermos,
com a mágoa e com o riso,
- e teu olhar que vê em mim.
Não sei pedir, sei só esperar.
Mas já houve o milagre. Estava
agora comigo ao longo das ruas, que antes
eram só casas de pálpebras cerradas.
Estava no silêncio, que antes
era mortal.
E tu, sem eu saber, estavas comigo.
E sem eu saber de súbito na treva
buliram asas
e sem eu saber era já dia.
In “Poesias Completas”
Editora Portugália
Adolfo Casais Monteiro
(1908-1972)
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