QUERO CRER
Quero crer
no dia do teu regresso
quando as palmas das mãos
se voltarem
para mim
no silêncio
incompreensível do teu corpo.
In “O laço impenetrável do silêncio”
Chiado Editora
Paula Raposo
(N.1954)
NATAL
Mais uma vez, cá vimos
Festejar o teu novo nascimento,
Nós, que, parece, nos desiludimos
Do teu advento!
Cada vez o teu Reino é menos deste mundo!
Mas vimos, com as mãos cheias dos nossos pomos,
Festejar-te, — do fundo
Da miséria que somos.
Os que à chegada
Te vimos esperar com palmas, frutos, hinos,
Somos — não uma vez, mas cada —
Teus assassinos.
À tua mesa nos sentamos:
Teu sangue e corpo é que nos mata a sede e a fome;
Mas por trinta moedas te entregamos;
E por temor, negamos o teu nome.
Sob escárnios e ultrajes,
Ao vulgo te exibimos, que te aclame;
Te rojamos nas lajes;
Te cravejamos numa cruz infane.
Depois, a mesma cruz, a erguemos,
Como um farol de salvação,
Sobre as cidades em que ferve extremos
A nossa corrupção.
Os que em leilão a arrematamos
Como sagrada peça única,
Somos os que jogamos,
Para comércio, a tua túnica.
Tais somos, os que, por costume,
Vimos, mais uma vez,
Aquecer-nos ao lume
Que do teu frio e solidão nos dês.
Como é que ainda tens a infinita paciência
De voltar, — e te esqueces
De que a nossa indigência
Recusa Tudo que lhe ofereces?
Mas, se um ano tu deixas de nascer,
Se de vez se nos cala a tua voz,
Se enfim por nós desistes de morrer,
Jesus recém-nascido!, o que será de nós?!
In “Obra Completa Poesia”
INCM - Imprensa Nacional Casa da Moeda
José Régio **
(1901-1969)
** Pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira
OBRIGADO
Há outra palavra mágica
Gentil e bem educada
Que cai bem a toda a gente:
Obrigado ou obrigada.
Obrigado, se és menino
É ouvido com prazer.
Obrigada, se és menina
Não custa nada a dizer.
Emprega-a todos os dias
Com todos, e tu vais ver
Como há montes de magia
Na arte de agradecer.
In “ABC das coisas mágicas”
Edições ASA
Rosa Lobato de Faria
(1932-2010)
O FILHO DA SERPENTE
Não há trono para herdar
nem cidade.
Apenas os ossos e a árvore
de onde a minha Mãe colheu
as maçãs douradas
para eu morder.
In “Ascensão da água”
Editora Labirinto
Samuel F. Pimenta
(N.1990)
A PALAVRA-ESCRITA
A palavra-escrita
é um labor arcaico:
sulca enigmas
venda e desvenda
o sentido do gesto
É uma imagem detida
recolhida do mais fundo cinema íntimo
onde o verdadeiro
é um ser invisível
O cinema do mundo está aí
onde houver ilusão
onde houver vontade de ver
mesmo que seja só o nada
In “O Pavão Negro”
Assírio & Alvim
Ana Hatherly
(1929-2015)
TARDE DE LEITE E ROSAS
Tarde de leite e rosas. Cada aresta,
Tinha um rubi tremente:
Fomos ouvir o canto da floresta,
O seu canto de amor, ao sol poente.
Tu querias sorver os poderosos
Lamentos de saudade e comoção
Que, as raízes, dos fundos tenebrosos,
Mandavam, pelo ramo, pra o clarão.
Opalescera já, o ar. O vento,
Correndo atrás da sombra, murmurou...
Sentiu-se um fechar de asas. Num momento,
A floresta, cantou.
Em cada ramo, um violino havia:
Cada folha vibrava, ágil, sonora,
Par'cendo que escondia uma harmonia,
Nas sombras das ramagens, a Aurora.
Como a floresta, meu amor, eu tento,
Atirar o meu canto para a altura:
Para a fazer cantar, toca-lhe o vento,
Pra me fazer cantar, no pensamento,
Passa o sopro da tua formosura.
In “Na Asa do Sonho”
João Lúcio
(1880-1918)
. Mais poesia em
. Eu li...
. Recordando... António Pat...
. Recordando... Florbela Es...
. Recordando... Maria Teres...
. Recordando... David Mourã...
. Recordando... Carlos Mari...
. Recordando... Adolfo Casa...
. Recordando... Artur do Cr...
. Recordando... Domingos Ca...
. Recordando... Cecília Vil...