SOL POENTE
É sempre ao sol poente que declina,
Que as sombras dançam com nitidez;
Prazer adocicado que fulmina,
Que nos preenche o silêncio e a mudez.
É no mar que o Astro-Rei adormece,
À espera que a lua brilhe, altaneira;
Quadro de beleza que nos enternece,
E que nos acompanha a vida inteira.
Surge a noite com passos de ternura,
Onde o silêncio se instala, lentamente;
No firmamento para dar brilho á negrura,
Mil estrelas cintilam alegremente.
Com as cabeças coladas ás almofadas,
Sonhamos por instinto, quadros belos;
Contos imaginários como os de fadas,
Tão dóceis, tão puros, tão singelos.
In "Manhãs Inquietas"
Mosaico de Palavras Editora
Jorge Vieira
(N.1952)
POEMA DA RENUNCIA
Que venha a noite e deixe o seu mistério
sobre nós dois, Amor!
Não fomos feitos para andar ao sol,
continuamente,
nem para ter saudades do passado
ou pra chorar um sonho que se esfolha.
Nascemos só para viver e amar
e construir, na sombra e no silêncio;
nascemos só para cantar e encher do nosso canto heróico
a calma da alvorada que se espera;
nascemos só para nos confundirmos
na imensa teoria humana que se forma
e caminha consciente!
Que venha a noite e deixe o seu mistério
sobre nós,
e traga, sobre nós, o esquecimento!
In “Líricas Portuguesas” - I Volume
Selecção, Prefácios e apresentação de Jorge de Sena
Edições 70 -1984
Álvaro Feijó
(1916 -1941)
SABEDORIA
Nos dias em que nada vale a pena,
E em que as árvores amigas
São iguais e estão vistas,
A vida é tão parada e tão serena
Que afinal já não há que contar mais,
E prevejo, com olhos anormais,
As coisas imprevistas...
Nos dias em que são cinzentos os meus céus
— O de dentro e o de fora —
E é vaga esta noção de um velho Deus,
Que me não manda embora
Deste espectáculo estafado
Em que de cor sei dizer
O que me foi ensaiado
E o que todos vão fazer,
Tenho inveja dos homens convencidos
Que nem sequer sonharam
Que poderia haver paraísos perdidos,
Ainda não decifraram
Esta charada em que andam envolvidos,
E pensam que, vivendo, triunfaram
Da Vida em que os que sonham são vencidos.
"Canções de Entre Céu e Terra"
In “Obra Completa de Francisco Bugalho”
Editora LG
Francisco Bugalho
(1905-1949)
NA LISTA DOS TEUS FINS VENHO NO FIM
Na lista dos teus fins venho no fim
de uma página nunca publicada,
e é justo que assim seja. Embora saiba
mexer palavras, e doer de frente,
e tenha esse talento conhecido
de acordar de manhã, dormir à noite,
e ser, o dia todo, como gente,
nunca curei, como previa, a lepra,
nem decifrei o delicado enigma
da letra morta que nos antecede.
Por muito te querer, talvez pudesses
dar-me um lugar qualquer mais adiante,
despir-te de pudor por um instante
e deixá-lo cobrir-me como um manto.
In “Aracne”
Assírio & Alvim
António Franco Alexandre
(N.1944)
AO LONGE OS BARCOS DE FLORES
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila,
– Perdida voz que de entre as mais se exila,
– Festões de som dissimulando a hora.
Na orgia, ao longe, que em clarões cintila
E os lábios, branca, do carmim desflora...
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila.
E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora,
Cauta, detém. Só modulada trila
A flauta flébil... Quem há-de remi-la?
Quem sabe a dor que sem razão deplora?
Só, incessante, um som de flauta chora...
(Clepsidra)
In ”Ler Por Gosto”
Areal Editores
Camilo Pessanha
(1867-1926)
NO VELUDO DOS TEUS OLHOS...
Sonhadora
De pensamentos ao largo
de olhos postos no vento
com o areal nos dedos
e o coração ao leme
deste momento
Sei-te em mim
No turbilhão
Que me aquece o sangue
Me acalma a mente
Me deixa exangue
E abandonada em mim
entrego-me-Te
Às palavras
Onde em cofre guardadas
Serão alma iluminada
Sentimentos
Só te peço...
Guarda-me-te
Deita fora a chave
Esquece os códigos
Que eu saberei lê-los
No veludo dos teus olhos...
In “No Leito do Meu Pensamento”
Editora Universus
Ana Fonseca
(N.1972)
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