SERENAMENTE
Serenamente, lembro o meu passado:
Das suas esperanças nada espero,
E sorrio ao seu mal desesperado
Como ao bem das promessas, que não quero.
Que hoje, da vida, só desejo a calma
Da indiferença, num sorriso aberto…
E na certeza de que tudo é incerto,
Descansa as tuas dúvidas, pobre alma!
Do teu cansaço e tua dor, descansa!
É neste brando enlevo que eu te quero,
Sorrindo ao fumo duma nova esperança
Como à ilusão dum novo desespero.
In “Desencanto”
Guilherme de Faria
(1907-1929)
NOCTURNO
Ao meio do canal submarino
a luz cegante é um anjo.
A suspenção do voo ampara...
Que fluido pelos circulos luminosos parados, correrá?
O sorriso escancarado da esfinge mergulhadora
vai mostrando, distante, a galeria óssea que deita
para as ameias dum castelo
com um deserto sem fim na rectaguarda.
Sentinelas de sangue esperam sempre a
sombra e a morte cobertas de ervas secas.
Na atracção do fundo,
aos pés da escadaria do escuro,
jaz a princesa, de verde, adormecida...
1934
In Revista “Pirâmide”
Nº 3 – Dezembro.1960 – Ano I
Pág. 44
Edmundo de Bettencourt
(1889-1973)
REGRESSO AO PARAÍSO
Quando o meu sangue correr
Nas ribeiras frescas do mundo,
Descansado o vermelho em água transparente,
Perdida a febre em débeis flores submersas...
In “ÁRVORE ”
Folhas de Poesia
1.º Fascículo - Outono de 1951
Pág. 17
Cristovam Pavia **
(1933-1968)
** Pseudónimo de Francisco António Lahmeyer Flores
QUANDO ENTOAR COMEÇO COM VOZ BRANDA
Quando entoar começo com voz branda
Vosso nome de amor, doce, e suave,
A terra, o mar, vento, água, flor, folha, ave
Ao brando som se alegra, move, e abranda.
Nem nuvem cobre o céu, nem na gente anda
Trabalhoso cuidado, ou peso grave,
Nova cor toma o Sul, ou se erga, ou lave
No claro Tejo, e nova luz nos manda.
Tudo se ri, se alegra, e reverdece.
Todo mundo parece que renova.
Nem há triste planeta, ou dura sorte.
A minh'alma só chora, e se entristece,
Maravilha de Amor cruel, e nova!
O que a todos traz vida, a mim traz morte.
In “Poemas Lusitanos” – 1598
Mandado publicar por seu filho, Miguel Leite Ferreira
António Ferreira
(1528-1569)
DESEMBARCAR SUBITAMENTE NO MEIO DO MAR
Surpresa e contentamento de te ver e não saber
o teu nome nem a distância que vai dos lábios às rosas,
a sua diferença subtil - desembarcar no mar e
largar os navios à sua longa vagem, porque uma voz
nos chama, e não sabemos que voz nos chama,
e ser a tua voz sem saber que é teu o rasto
dos pássaros, o que resta das marés.
In "Metade da Vida"
Quasi Edições
Francisco José Viegas
(N.1962)
O LIVRO DA VIDA
Absorto, o Sabio antigo, estranho a tudo, lia...
– Lia o «Livro da Vida»,– herança inesperada,
Que ao nascer encontrou, quando os olhos abria
Ao primeiro clarão da primeira alvorada.
Perto d'elle caminha, em ruidoso tumulto,
Todo o humano tropel num clamor ululando,
Sem que de sobre o Livro erga o seu magro vulto,
Lentamente, e uma a uma, as suas folhas voltando.
Passa o estio, a cantar; accumulam-se invernos;
E elle sempre, – inclinada a dorida cabeça, –
A ler e a meditar postulados eternos,
Sem um fanal que o seu espirito esclareça!
Cada pagina abrange um estádio da Vida,
Cujo eterno segredo e alcance transcendente
Elle tenta arrancar da folha percorrida,
Como de mina obscura a pedra refulgente.
Mas o tempo caminha; os annos vão correndo;
Passam as gerações; tudo é pó, tudo é vão...
E elle sem descansar, sempre o seu Livro lendo!
E sempre a mesma névoa, a mesma escuridão.
Nesse eterno scismar, nada vê, nada escuta:
Nem o tempo a dobar os seus annos mais bellos,
Nem o humano soffrer, que outras almas enluta,
Nem a neve do inverno a pratear-lhe os cabellos!
Só depois de voltada a folha derradeira,
Já próximo do fim, sobre o livro, alquebrado,
É que o Sábio entreviu, como numa clareira,
A luz que illuminou todo o caminho andado...
Juventude, manhãs d'Abril, boccas floridas,
Amor, vozes do Lar, éstos do Sentimento,
– Tudo viu num relance em imagens perdidas,
Muito longe, e a carpir, como em nocturno vento.
Mas então, lamentando o seu esteril zêlo,
Quando viu, a essa luz que um instante brilhou,
Como o Livro era bom, como era bom relê-lo,
Sobre elle, para sempre, os seus olhos cerrou...
(mantém a grafia original)
In “Sol de Inverno”
Editora Aillaud & Bertrand
António Feijó
(1859-1917)
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