ADORAÇÃO
Eu não te tenho amor simplesmente. A paixão
Em mim não é amor; filha, é adoração!
Nem se fala em voz baixa à imagem que se adora.
Quando da minha noite eu te contemplo, aurora,
E, estrela da manhã, um beijo teu perpassa
Em meus lábios, oh! quando essa infinita graça
do teu piedoso olhar me inunda, nesse instante
Eu sinto – virgem linda, inefável, radiante,
Envolta num clarão balsâmico da lua,
A minh'alma ajoelha, trémula, aos pés da tua!
Adoro-te!... Não és só graciosa, és bondosa:
Além de bela és santa; além de estrela és rosa.
Bendito seja o deus, bendita a Providência
Que deu o lírio ao monte e à tua alma a inocência,
O deus que te criou, anjo, para eu te amar,
E fez do mesmo azul o céu e o teu olhar!...
In "Poesias dispersas"
Guerra Junqueiro
(1850-1923)
OS TEUS OLHOS
Direi verde
do verde dos teus olhos
de um rugoso mais verde
e mais sedento
Daquele não só íntimo
ou só verde
daquele mais macio mais ave
ou vento
Direi vácuo
volume
direi vidro
Direi dos olhos verdes
os teus olhos
e do verde dos teus olhos direi vício
Voragem mais veloz
mais verde
ou vinco
voragem mais crispada
ou precipício
In “Candelabro”
Guimarães Editores
Maria Teresa Horta
(N.1937)
CALA-TE, A LUZ ARDE ENTRE OS LÁBIOS
Cala-te, a luz arde entre os lábios,
e o amor não contempla, sempre
o amor procura, tacteia no escuro,
esta perna é tua?, é teu este braço?,
subo por ti de ramo em ramo,
respiro rente à tua boca,
abre-se a alma à língua, morreria
agora se mo pedisses, dorme,
nunca o amor foi fácil, nunca,
também a terra morre.
[Matéria Solar – XXV]
In “Antologia Breve”
5ª ed. – Outubro.1985
Editora Limiar
Eugénio de Andrade **
(1923-2005)
** Pseudónimo de José Fontinhas
MOTIVO
Tudo o que vês
não é nada:
ou uma nuvem
ou uma palavra.
Tudo o que ouves
nada mais é:
o vento é lesto
e corre breve.
O que não vês
nem sabes mesmo
é que importava
se houvesse tempo.
In “Amaranto”
Glória de Sant'Anna
(1925-2009)
NAUFRÁGIO
Fui enviada para o mar de madrugada.
Ninguém me avisou da melancolia dos peixes
ou da nudez das ondas. Nada me disseram
do silêncio. Sem luz que me escutasse as mãos,
rompi sem preceito alguma da escuridão.
Imperfeitamente.
Vieram, entretanto, outros mares contra o meu.
Cega, fui derrubada. Os peixes morreram-me
de susto. A nudez do resto permaneceu. Todas
as coisas se afundaram no tão fundo da minha
lucidez. Sou tão descabida de mim, agora, que
tudo se parte no meu corpo, devagar.
In "Ecos de Green Rose"
Poética Edições
Virgínia do Carmo
(N.1973)
À COROA DE ESPINHOS
A que vindes, Senhor do Céu à terra,
Terra que sendo vossa vos enjeita,
E que tanto vos honra e vos respeita,
Que em não vos receber insiste e emperra?
Ah! Quanta ingratidão nela s’encerra!
Quão mal de vossa vinda se aproveita!
Pois se põe a tomar-vos conta estreita,
Mais brada contra vós, quanto mais erra.
E vós de vosso amor puro forçado
Os malditos espinhos lhe pisais,
Dos quais ainda sendo coroado,
A maldição antiga lhe trocais
Na bênção, que lhe dais crucificado,
Quando morto d’amor, d’amor matais.
In “Espelho dos Penitentes”
Frei Agostinho da Cruz **
(1540-1619)
** Nome de nascimento Agostinho Pimenta
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