SE FLORES JAMAIS ME DERES
Se flores jamais me deres,
Se eu rir e tu não rires,
Se quando eu chegar fugires
Ninguém dirá que me queres!
Se tu ocultar puderes
O que há nesses olhos teus
E que é tão igual nos meus
Ninguém dirá que me queres!
Se alguma vez tu puseres
A minha mão na tua mão
Sem que estremeças, então
Ninguém dirá que me queres!
E se o que te dei me deres
A minha trança e três flores
Não pode haver mais rumores
Ninguém dirá que me queres!
In "Livro IV Dispersos"
Reinaldo Ferreira
(1922-1959)
OS CATIVOS
Encostados às grades da prisão,
Olham o céu os pálidos cativos.
Já com raios oblíquos, fugitivos,
Despede o sol um ultimo clarão.
Entre sombras, ao longe, vagamente,
Morrem as vozes na extensão saudosa.
Cai do espaço, pesada, silenciosa,
A tristeza das cousas, lentamente.
E os cativos suspiram. Bandos de aves
Passam velozes, passam apressados,
Como absortos em íntimos cuidados,
Como absortos em pensamentos graves.
E dizem os cativos: Na amplidão
Jamais se extingue a eterna claridade...
A ave tem o vôo e a liberdade...
O homem tem os muros da prisão!
Aonde ides? qual é a vossa jornada?
À luz? à aurora? à imensidade? aonde?
– Porém o bando passa e mal responde:
A noite, à escuridão, ao abismo, ao nada! –
E os cativos suspiram. Surge o vento,
Surge e perpassa esquivo e inquieto,
Como quem traz algum pezar secreto,
Como quem sofre e cala algum tormento...
E dizem os cativos: Que tristezas,
Que segredos antigos, que desditas,
Caminheiro de estradas infinitas,
Te levam a gemer pelas devezas?
Tu que procuras? que visão sagrada
Te acena da solidão onde se esconde?
– Porém o vento passa e só responde:
A noite, a escuridão, o abismo, o nada! –
E os cativos suspiram novamente.
Como antigos pezares mal extintos,
Como vagos desejos indistintos,
Surgem do escuro os astros, lentamente...
E fitam-se, em silêncio indecifrável,
Contemplam-se de longe, misteriosos,
Como quem tem segredos dolorosos,
Como quem ama e vive inconsolável...
E dizem os cativos: Que problemas
Eternos, primitivos vos atraem?
Que luz fitais no centro donde saem
A flux, em jorro, as intuições supremas?
Por que esperais? nessa amplidão sagrada
Que soluções esplendidas se escondem?
– Porém os astros tristes só respondem:
A noite, a escuridão, o abismo, o nada! –
Assim a noite passa. Rumorosos
Sussurram os pinhais meditativos.
Encostados às grades, os cativos
Olham o céu e choram silenciosos.
(mantém a grafia original)
In “Sonetos”
Colecção – Autores Portugueses de Ontem
Estante Editora – Maio de 1989
Antero Quental
(1842-1891)
MÚSICA
Música do domingo,
vai-te embora... vai-te embora!...
Não acordes lembranças
dos domingos de outrora
- pegadas já sumidas
na poeira dos anos
pelas estradas fora... -
Não quero acreditar nos desenganos!
Música do domingo,
vai-te embora...vai-te embora...!
In "Obra Poética"
Colecção Poetas de Hoje
Editora Portugália
Saúl Dias **
(1902-1983)
** Pseudónimo de Júlio Maria dos Reis Pereira
HÁ UMA SOLIDÃO PEQUENA
Há uma solidão pequena
no coração de cada homem.
Uma pergunta secreta
dúvidas não formuladas:
um desejo inquieto
de gestos por descobrir.
Mesmo no amor.
Há uma solidão pequena
no amor.
In “Amores imperfeitos e a forma da fala
sonhada no mundo às avessas” – 1996
Edições Colibri
Fátima Andersen
(N.1940)
QUADRAS
Acho uma moral ruim
trazer o vulgo enganado:
mandarem fazer assim
e eles fazerem assado.
Sou um dos membros malditos
dessa falsa sociedade
que, baseada nos mitos,
pode roubar à vontade.
Esses por quem não te interessas
produzem quanto consomes:
vivem das tuas promessas
ganhando o pão que tu comes.
Não me dêem mais desgostos
porque sei raciocinar...
Só os burros estão dispostos
a sofrer sem protestar!
Esta mascarada enorme
com que o mundo nos aldraba,
dura enquanto o povo dorme,
quando ele acordar, acaba.
In “Este livro que vos deixo”
António Aleixo
(1899-1949)
PELO SONHO É QUE VAMOS
Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos, não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia a dia.
Chegamos? Não chegamos?
Partimos. Vamos. Somos.
In “Pelo Sonho é que Vamos”
Ática - 1999
Sebastião da Gama
(1924-1952)
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