À ESPERA DA MUSA
Espero pela musa como quem confia
na transfiguração do mundo e na transmigração das almas.
Espero pela musa como quem não usa
usar o pensamento no lugar do génio
que todo o verso puro traz da luz eterna. Espero
pela musa, louco, pela musa espero, fonte
da minha criação sem termo. Um verso, musa,
um verso mais espero. E, se não vem,
sempre virá depois de apenas não ter vindo.
Musa espero, como quem confia.
In “Livro de Receitas”
Campo das Letras, 2000
Luís Adriano Carlos
(N.1959)
ODE À TRISTEZA
Eu canto esta alegria
(entristecida)
de tanto te lembrar
e ser saudade
E a minha voz é forte
timbrada de dias
e distâncias
com as palavras todas mastigadas
(E se tristeza tenho
que me reste
não me julgues parada
ou indecisa
Cristalizei meus olhos de chorarem
e o meu olhar é firme,
certeiro ao teu encontro)
Eu canto esta alegria
de segredar-me ao vento
e seguir viagem
em direcção de ti
leve
impensada
informe
e num fluir de aragem
ser transformada em ar
Pedaço que respiras.
E nos meus dedos mansos
-veludos que pisaram
teu corpo em movimento-
vou amarrar o tempo
as letras do teu nome
E depois morrer.
Eu canto esta alegria
de saber-te
In “Esta Coisa Quase Vida” - 1993
Editora Fora do Texto
Manuela Amaral
(1934-1995)
NELA CELEBRO O ÊXTASE DA TERRA
Nela celebro o êxtase da terra
o luminoso nascimento do mundo
da carne a esplêndida Primavera
quando tudo é vida e desejo fundo
Nela celebro a beleza do dia
um rio de seiva e sangue fecundo
Nela celebro da selva a luxúria
quando tudo é sede e prazer jucundo
Ela é um fruto de carne da terra
um canto azul no princípio de tudo
Eu sou apenas a sombra que cerra
o último crepúsculo quedo e mudo
Sem a chamar aos pés ponho de sua casa
de uma palavra o silêncio em brasa
In “Estâncias Reunidas” (1977-2002)
Edições Quasi
António Cândido Franco
(N.1956)
POEMA DO BEIJO COMPREENDIDO
1 – PLATONISMO
Aqui tens os beijos teus
que noutra altura me deste.
Testemunha seja Deus
de que não me compreendeste!
Para que quero os teus beijos?
– Elesnão me valem de nada...
São outros os meus desejos,
são outros, são, minha Amada!
Os teus beijos? – Coisa pouca!
Os teus beijos? – Nada são!
Nada vale a tua boca
Só vale o teu coração...
2 – DRAMA
Meu Amor! Dá-me o perfume
dos teus lábios de rubim!
Num beijo, Amor, se resume
nosso desejo sem Fim...
Meu Amor! Dá-me o veludo
dos teus afagos de seda!
Em nosso amor, tudo, tudo
se resolve em labareda...
Meu Amor! Dá-me a certeza
do teu Anseio Maior!
Tuas palavras são reza
de saudade, ó meu Amor...
3 – PROJECTO
Amanhã, quando chegar,
meu Amor, ao pé de ti,
longamente hei-de beijar
os teus lábios de rubi...
Quando estiver, amanhã,
junto a ti, nos meus desejos,
nos teus lábios de romã
hei-de dar milhões de beijos...
Quando, amanhã, estender
minha mão no teu regaço,
o teu beijo de Mulher
acalmará meu cansaço...
4 – ANSEIO
Um dia seremos nós,
meu Amor, numa unidade!
E ouviremos a voz
meiga e doce da saudade...
Havemos de ser um dia
um só apenas, Amor!
E nessa etérea harmonia
pode vir seja o que for
que não há-de, não, vencer
nossos divinos desejos...
Dá-me, teus lábios, Mulher!
Meu Amor! Dá-me mil beijos!...
5 – ANTES QUE, VENHA A MORTE
Deixa que beije os teus olhos!
Deixa que os beije, sem fim!
Mar oloroso, sem escolhos,
são teus lábios de rubim
Deixa que beije teus lábios,
os lábios do meu Desejo.
Os teus olhos meigos... abre-os,
para que os feche num beijo!
E quando teus lábios doces
colados forem aos meus,
será como se tu fosses,
ó meu Amor, o meu Deus!
Teus olhos deixa beijar-me
e teus lábios entender-me,
–antes que clamem alarme
as minhas ânsias de verme!...
6 – NUDEZ
Deixa que te ame sem veste,
nessa nudez de ansiedade!
Meu Amor! Não me entendeste!
Meu Amor! Tenho saudade!
Dá-me os teus seios de alvura
ao afago dos meus dedos!
Será meu gesto a futura
mensagem dos teus segredos!
Abre, Amor, aos meus anseios
O teu mundo de mistério...
Não tenhas vagos receios
Beija meu corpo! – E fere-o!
7 – DESVAIRAMENTO
Abre aos meus lábios os teus
e tua boca abre a minha!
Deixa que te ame sem véus...
Deixa que te ame, Rainha...
Deixa que o mundo eu devasse
das ancas da tua dor!
Num beijo à terra o sol dá-se...
Sejamos como eles, Amor!
Chega ao meu corpo teus seios,
meu Amor, deixa esmagá-los...
Eu bem sei que os teus anseios
querem os nossos abalos!
Meu Amor! Cinge meu peito,
de nós faz um corpo só!
– Que um dia, no mesmo leito,
lodo seremos, – e pó!...
8 – CULMINAÇÃO
Olhos fechados, sem luz;
boca cerrada, sem fala;
– só a vida nos conduz...
Amor! Não queiras pará-la!
Eu te comungo sem fim,
no mesmo anseio da hora!
Amor! Se existes em mim,
em ti existo, Senhora!...
E mais suave e mais lento
nosso Desejo Maior!
– Sou momento em teu momento...
És momento, meu Amor!...
9 – ANTESDO REGRESSO
Meu Amor! Chega-te a mim!
Meu Amor! Tenho, receio!
Deixa que morda o rubim
que se aninha no teu seio...
Rasga meu corpo com teus
loucos, infindos Desejos!
Cola teus lábios aos meus
na carícia de mil beijos...
Minha mão aventureira
vai desbravando segredos.
Meu Amor! És a primeira
mulher que sabem meu dedos!
Embalemo-nos em suave,
emsuavíssima harmonia.
Meu Amor,és trilo de ave
eés a luz de meu dia...
E quando, enfim, teu suspiro
me disser que nos chegámos,
eujá não vivo, – deliro!
– Tens sonhos? Meu Amor: dámos!...
10 – TRANSCENDÊNCIA
Mas a vida não se cinge
à hora do nosso amor...
Finalidades atinge
de uma projecção maior.
Se por acaso parasse
a vida, nesse minuto,
por mais, Amor, que to amasse,
tudo seria de luto!
É maior a nossa vida,
maior que os nossos desejos...
E por mais incompreendida
que seja a hora dos beijos
elaé bela, porque é belo
da vida o doce florir...
– E a luz do Setestrêlo
Há-de brilhar, no Porvir!
In “Altura Cadernos de Poesia” I
Casa do Castelo, Editora, Coimbra – Fevereiro de 1945
Duarte de Montalegre **
(1920-2010)
** Pseudónimo de J. V. de Pina Martins
A UMA AUSÊNCIA
Sinto-me sem sentir, todo abrasado
No rigoroso fogo que me alenta;
O mal, que me consome, me sustenta;
O bem, que me entretém, me dá cuidado;
Ando sem me mover, falo calado;
O que mais perto vejo se me ausenta
E o que estou sem ver mais me atormenta;
Alegro-me de ver-me atormentado;
Choro no mesmo ponto em que me rio;
No mor risco me anima a confiança;
Do que menos se espera estou mais certo;
Mas se, de confiado, desconfio,
É porque, entre os receios da mudança,
Ando perdido em mim como em deserto.
Fénix Renascida
In “Breve Antologia Poética do Período Barroco”
Colecção Brevíssima
Liv. Civilização Editora e Contexto Editora
António Barbosa Bacelar
(1610-1663)
O CANTO DA TERRA
Tu que renasces da boca da terra
magia nua da inocência aberta nos dedos
que prolonga a ferida que se faz carne
e onde a água cintila de ingénuos aromas
propagando embriões numa concha redonda
e onde os homens farejam a vida inteira
escutando o silêncio sibilante dos astros roxos
e onde o orvalho abre o sexo da noite
esquecendo a morte agasalhada em asas.
Tu a continua fonte entre as ervas rebeldes
gemendo como magnólias acesas pela madrugada
que já não se separa da incessante metamorfose
e onde a lisura delira na suave fluidez animal
o sangue cheio de fêmeas grandiosamente abertas
e onde com o fogo lânguido se envolve a terra
como os amantes de pálpebras ainda adolescentes
e onde o som deles sufoca a construção do corpo
cantando o linho agudo com um feixe de vida.
Mulheres correndo a terra com crinas brancas
fogos de antimónio que ultrapassam o sol
uma constelação antiga ardente como sexos
unindo a ferocidade das palavras ao inebriado da boca
que da semente da terra nascerá a fêmea azul
ela mesma um mapa fruto uma flor da terra.
In “A revisitação dos lúzios” (inédito)
João Rasteiro
(N.1965)
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