VIRGEM DO CEU!
Virgem do Ceu! E a chuva que não pára...
O vento geme e ulula ao desafio.
Anda a morte a rondar-nos... Sinto o frio
Em que a Má-Sombra às vezes se mascara.
Olhai, lá foge... És tu que vens. Sorrio.
Teu vulto apenas – ó Piedosa e Rara! –
Eterio luminoso, aquece e aclara
O tempo agreste, glacial, sombrio.
Caem do teu olhar bênçãos de Paz.
Toda a dôr, toda a magua se desfaz,
Alva açucena casta e misteriosa...
Um extasi de amor raza as montanhas,
Quando as tuas mãos sacramentais, extranhas,
Descem, pairando sobre a terra anciosa!
In “Contemporanea”
Ano I – Volume II – Nº.6 - Ano 1922
Pág. 96
Mantém a grafia original
Américo Durão
(1894-1969)
CANÇÃO DO LAVRADOR
Meus versos lavro-os ao rubro
neste página de terra
que abro em lábios. Descubro-
-lhe a voz que no fundo encerra
Os versos que faço sou-os
A relha rasga-me a vida
e amarra os sonhos de voos
que eu tinha à terra ferida
Poema que mais que escrevo
devo-te em vida. No húmus
a regos simples eu levo
os meus desvairados rumos
Mas mais que poema meu
(que eu nunca soube palavra)
isto que dispo sou eu
Poeta não escrevas lavra
In "Aquele Grande Rio Eufrates”
Assírio & Alvim
Ruy Belo
(1933-1978)
NÃO ME CHAMEM PELO NOME
Não me chamem pelo nome
Que me deram ao nascer;
Sou como a folha caída
Que não chegou a viver.
Se eu sem riquezas nasci,
Cheguei a sonhar com elas
Na esperança de ser alguém;
Mas bem depressa deixei
A tortura de quem quer
Conquistar o que não tem.
Os nervos mortos, na terra
dos meus planos iludidos,
Mentiram à própria fome!
Por isso nesta indiferença
Peço apenas: - e é tão pouco!,
Não me chamem pelo nome.
Sou como a folha caída
Pisada por quem passeia
Alheio à luz e à beleza;
E de todas as venturas,
Só me encontro nos silêncios
Que tem a minha tristeza.
Perdi-me no sofrimento
Que nos dão as aparências
Que julgamos entender...
Da vida não quero nada;
E não me falem no nome
Que me deram ao nascer.
Sou como a flor esquecida
Nos canteiros da ilusão
De um jardineiro traidor,
Sou como fonte discreta
Entre folhagens cantando
Tristes cantigas de amor;
Ao fim de tanta vileza
Já não me posso iludir
Com as promessas da vida!
Tudo em mim sabe a derrota,
E até da morte duvido
- Sou como a folha caída.
Sou como tudo que passa
No giro do pensamento
De uma criança a brincar;
E os meus mais débeis desejos
Morrem aos ais na lembrança
De quem se esqueceu de amar;
Nada no mundo me prende;
Nem a saudade de um beijo
Num momento de prazer!,
- Pobre corpo sem destino,
Renúncia firme de artista
Que não chegou a viver.
In “As Canções de António Botto”
Edições Ática
António Botto
(1897-1959)
PRAIA
Os pinheiros gemem quando passa o vento
O sol bate no chão e as pedras ardem.
Longe caminham os deuses fantásticos do mar
Brancos de sal e brilhantes como peixeis.
Pássaros selvagens de repente,
Atirados contra a luz como pedradas
Sobem e morrem no céu verticalmente
E o seu corpo é tomado nos espaços.
As ondas marram quebrando contra a luz
A sua fronte ornada de colunas.
E uma antiquíssima nostalgia de ser mastro
Baloiça nos pinheiros.
In "Mar”
Editorial Caminho
Sophia de Mello Breyner Andresen
(1919 - 2004)
DEFESA
Guarda a manhã como uma rosa,
Molha-a, que a noite vem aí.
Dorme tu nos espinhos; goza
O que é próprio de ti.
Não dês flores a ninguém
Que tua mão lhe corte,
E, se puderes,
Leva as mais que puderes à tua morte
Em coroa que te fique bem.
Não gastes o jardim puro
De que tu mesmo és terra:
A tua vida, muro,
Teu coração a encerra.
Rosas façam de sangue os que as desejam;
Cada um se floresça:
As tuas não se vejam
Quando a roseira cresça.
Abre ao lume doído
Os botõezinhos novos.
No ninho despido,
Ave, os teus ovos.
Ao frio e ao escuro cria
Larvas de luz compostas
Do que deita alegria
Sobre as coisas que gostas.
Mas rosas dadas, não:
Nem que tu fosses flores
E raiz teu destino
Engrossando no chão.
As tuas flores
São do menino
Sempre foste. Não!
In “O Bicho Harmonioso”
(1901-1978)
ÀS MÃES DE PORTUGAL
Ó mães doloridas, celestiais,
Misericordiosas,
Ó mães d’olhos benditos, liriais,
Ó mães piedosas
Calai as vossas mágoas, vossas dores!
Longe na crua guerra
Vossos filhos defendem, vencedores,
A nossa linda terra!
E se eles defendem a bandeira
Da terra que adorais,
Onde viram um dia a luz primeira
Ó mães, porque chorais?!
Uma lágrima triste, agora é
Cobardia, fraqueza!
Nos campos de batalha cai de pé
A alma portuguesa!
Pela terra de estrela e tomilhos,
De sol, e de luar;
Deixai ir combater os vossos filhos
Ao longe, heróis do mar!
Dum português bendito, sem igual
Eu sigo o mesmo trilho:
Por cada pedra deste Portugal
Eu arriscava um filho!
Por isso ó mãe doloridas, pelo leito
De morte, onde ajoelhais,
Esmagai vossa dor dentro do peito,
Ó mães não choreis mais!
A Pátria rouba os filhos, mas é mãe
A mãe de todos nós
Direito de a trair não tem ninguém
Ó mães nem sequer vós!
In “Trocando olhares” 1915-1917
Editora Martin Claret
Florbela Espanca
(1894-1930)
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