AO CAIR DA TARDE
Comungo luz ao sol poente em frizos de oiro.
Todo o meu Ser regressa a mim para voar…
Abranjo-me de mim. Rezo-me em sombra, a arfar
No meu olhar teu riso enferma em rosas de oiro.
Nos meus braços em cruz, perdido de ânsia expiro…
E quem encerrará meus olhos fitos longe?
A minha alma depois divagará em monge
Na voz doce, febril, das fontes que deliro.
Desce por mim a tarde… enluto o teu olhar…
Tudo perdi… sou claustro… ardo em meu Ser a orar,
E o meu olhar abraça um horizonte em calma…
Tarde!… roxa presença… enroxecendo ensombra…
Virgem do meu Sonhar… Freira dos véus de sombra…
Velhinha que teceu a ideia da minha alma!
In “O Occidente”
Revista Illustrada de Portugal e do Estrangeiro
Nº 1276 - 10 de Junho de 1914
Pág. 183
Alfredo Pedro Guisado
(1891-1975)
LILASES
E das ramagens do meu ser,
Libertam-se gotas de sonhos
Banhadas pelo perfume dos lilases
Agora, soltos em flores atemporais.
Do meu corpo eclodem rebentos floridos
Que se soltam de mim
E sobem, lentamente, na leveza da alma
Pousando na candura dos dias felizes.
Olho-me ao longe...
Reconheço cada fragmento, cada cor
Cada recanto, que agora procura paz.
O corpo jaz no restolho dos sonhos...
Com asas de pássaro, esvoaço para longe
Agora, sem mais voltar.
In “O Eco do Silêncio”
Cecília Vilas Boas
A HISTÓRIA DA MORAL
Você tem-me cavalgado,
seu safado!
Você tem-me cavalgado,
mas nem por isso me pôs
a pensar como você.
Que uma coisa pensa o cavalo;
outra quem está a montá-lo.
In "De ombro na ombreira"
Publicações Dom Quixote
Alexandre O'Neill
(1924-1986)
AVES, FLORES, SAUDADES
Sol a sol, desde a serra até ao mar,
Das pegas-rabilongas às gaivotas,
A orquestra alada, requintado as notas,
De nascente a poente é só tocar:
Ocarinas em fila – terras-cottas
Em beirais de telhado; à beira-mar,
Flautas de abibes; harpas de luar
Em garças ribeirinhas, nas marnotas;
Ao longo das ribeiras são as filas
Dos violinos – sílvias e fringilas –
Violetas, violas-trissonoras
E no alto do céu, flamas em jogo,
A regê-los, o Pássaro de Fogo
Peneira as grandes asas criadoras.
In “Concerto ao ar livre”
Emiliano da Costa
(1884-1968)
SENHOR, EU VIVO COITADA
Senhor, eu vivo coitada
vida, des quando vos non vi:
mais, pois vós queredes assi,
por Deus, senhor ben talhada,
querede-vos de mim doer
ou ar leixade-m'ir morrer.
Vós sodes tan poderosa
de min que meu mal e meu ben
en vós é todo; [e] por en,
por Deus, mha senhor fremosa,
querede-vos de mim doer
ou ar leixade-m'ir morrer.
Eu vivo por vós tal vida
que nunca estes olhos meus
dormen, mnha senhor; e, por Deus,
que vos fez de ben comprida,
querede-vos de mim doer
ou ar leixade-m'ir morrer.
Ca, senhor, todo m' é prazer
quant' i vós quiserdes fazer.
(Mantém a grafia de origem)
In "Cancioneiro da Vaticana"
Dom Dinis
(1261-1325)
INVERSÕES
Com o Outono
uma panóplia de aves
marchou inversamente
a mim.
Eu que sempre gostei
dos inversos das coisas,
começo sempre pelo
avesso do fim.
É neste rigor
de espelhos
que me revejo.
Um inverso de alma,
uma espécie
de mim
ao contrário.
In “Geografias Dispersas”
Editora Edita-Me
Alexandra Malheiro
(N.1972)
. Mais poesia em
. Eu li...
. Recordando... Ricardo Gil...
. Recordando... Saúl Dias *...
. Recordando... Rui Miguel ...
. Recordando... Rui Pires C...
. Recordando... Sebastião d...
. Recordando... Augusto Mol...
. Recordando... Egito Gonça...
. Recordando... António Ram...
. Recordando... Maria Auror...