CANTAR D´AMIGO
Estrangeiro! talharam-nos em redor fossos, limites
e o cerco das fronteiras.
Estrangeiro! Ninguém entendeu, e nem tu, estrangeiro,
que entre nós não existem cordilheiras.
Ficaste de mãos desastradas, indiferentes,
quando a minha vida roçou a tua vida.
De olhos parados, indiferentes,
quando passei a teu lado.
Estrangeiro! Ficou-me esse desperdício de um adeus
que as tuas mãos frias não disseram,
nem os teus olhos vidrados,
nem a tua boca selada,
mas que eu pressenti, como alguém á beira de um cais,
ao ver sair barcos com gente que nos é estranha,
agitando lenços estranhos
alguém que sofre por nada.
Iludimos a vida, amigo!
E como para ultrapassar as fronteiras
os fossos,
as ironias
bastaria um só olhar!...
Não, estrangeiro! Vamos misturar o sangue dos rios
o abismo dos mapas
fazer qualquer coisa! misturar, misturar.
In “Antologia de poemas Alentejanos”
Fernando Namora
(1919-1989)
NOIVADO ESTRANHO
Quisera amar-te muito, ó Gémea do luar,
Num sonho excepcional, só de carícias feito,
Abendiçoar o céu na luz do teu olhar,
E a alma adormecer na curva do teu peito;
Quisera amar-te sempre, ó Doce como arminho
E casta como a pomba em seus arrulhos doces...
E, em troca deste amor, viver do teu carinho,
Que eu não vivia, não, Mulher, se tu não fosses!
Passar a vida inteira a ver-me nos teus olhos,
Apenas ter ventura em vez de ter abrolhos,
Beber o teu sorriso, e as mágoas esquecê-las...
E quando a morte viesse e nos levasse a ambos
Realizarmos então os desejados tambos,
Na Igreja do Além... em meio das estrelas.
In “Fel”
José Duro
(1873-1899)
AS FACAS
Quatro letras nos matam quatro facas
que no corpo me gravam o teu nome.
Quatro facas amor com que me matas
sem que eu mate esta sede e esta fome.
Este amor é de guerra. (De arma branca).
Amando ataco amando contra-atacas
este amor é de sangue que não estanca.
Quatro letras nos matam quatro facas.
Armado estou de amor. E desarmado.
Morro assaltando morro se me assaltas.
E em cada assalto sou assassinado.
Quatro letras amor com que me matas.
E as facas ferem mais quando me faltas.
Quatro letras nos matam quatro facas.
In “Obra Poética”
Publicações Dom Quixote
Manuel Alegre
(N.1936)
O TANQUE
Que tanque é este,
Que não transborda,
Que nunca a água
Lhe chega à borda?
Estão mil fontes
Nele a correr,
E não se pode
Jamais encher.
Fez-se para a rega
Dos secos prados
E estes gretam
Sem ser regados?
Entram, não saem,
Águas?... Que agoiro!
O negro tanque
Tem sumidoiro!
In "Obras de Francisco Joaquim Bringre" Vol. IV
Lello Editores
Francisco Joaquim Bingre
(1763-1856)
ESSA BELEZA QUE ERA TAMBÉM ESPANTO
Essa beleza que era também espanto
Pelo dom da palavra e pelo seu uso
Que erguia e abatia, levantava
E abatia outra vez, deixando sempre
Um rasto extraordinário. Sim, a hora,
Dois séculos antes, em que uma ausência
E o seu grande silêncio cintilaram
Sobre a mão do poeta, em despedida.
In “A Terceira Miséria”
Relógio d’Água - 2012
Hélia Correia
(N.1949)
ONTEM SONHEI QUE SONHAVA
Ontem sonhei que sonhava
e me mantinha desperto
contente por me escapar
de um mundo que me era incerto
Quando tornei a dormir
já rompia a madrugada
e na clara luz não tinha
certeza alguma de nada
Seguro porque voltava
ao que é lógico e real
à vida que firme sabe
do que é bem e do que é mal
In "Uns Poemas de Agostinho"
Ulmeiro - 1989
Agostinho da Silva
(1906-1994)
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