O QUE FICOU NO AR PARADO
O que ficou no ar parado
era um cristal partido
pela tua boca soprado
ou era um pássaro ferido
por uma seta lado a lado?
era uma rosa de frio
na solidão do teu vestido
do teu vestido rasgado
ou era um cavalo espantado
batendo os cascos de vidro
de encontro às grades do medo
o que ficou no ar parado?
In "Obra Poética"
Editora &etc
Luís Pignatelli **
(1935-1993)
** Pseudónimo de Luís Oliveira de Andrade
O CANTO E AS ARMAS
Canto as armas e os homens
as pedras os metais
e as mãos que transformando
se transformam. Eu canto
o remo e a foice. Os símbolos.
Meu sangue é uma guitarra
tangida pelo Tempo.
Canto as armas e as mãos.
E as palavras que foram
areias tempestades
minutos. E o amor.
E também a memória
do cravo e da canela.
E também a quentura
de outras mãos: terra e astros.
E também a tristeza
e a festa. O sangue e as lágrimas.
O vinho: puro arder.
E também a viagem:
navegação lavoura
indústria – esse combate.
Procurai-me nas armas
no sílex no barro.
Pedra: meu nome é esse.
E escreve-se no vento.
Canto o carvão e as cinzas
as gazelas e os peixes
na fogueira contínua
das cavernas. E a pele
do tigre sobre a pele
do homem. Eis meu rosto:
está gravado na rocha.
Procurai-me no fóssil
e no carvão. Meu rosto
é cinza e Primavera.
Canto as armas e os homens.
Porque a Tribo me disse:
tu guardarás o fogo.
E por armas me deu
o bronze das palavras.
Meu nome é flecha. E perde-se
no pássaro. Começa
meu canto onde começa
a construção. Pastores
do tempo são meus dedos.
Caçadores de coisas
impossíveis. Eu canto
os dedos que transformam
e se transformam. Canto
as marítimas mãos
de Magalhães. As mãos
voadoras de Gagárine.
Procurai-me no mar
procurai-me no espaço.
Estou no centro da terra.
Meu nome é cinza. E espalha-se
no vento. Sou adubo
fermentação floresta.
E cintilo nas armas
Canto as armas e o Tempo.
As minhas armas o
meu tempo. E desarmado
pergunto à flor pergunto
ao vento: vistes lá
o meu país? E o meu
país está nas palavras.
Porque a Tribo me disse:
tu guardarás o fogo.
E por armas me deu
esta espada este canto.
In “O Canto e as Armas”
Publicações Dom Quixote
Manuel Alegre
(N.1932)
ENTREI NO CAFÉ COM UM RIO NA ALGIBEIRA
Entrei no café com um rio na algibeira
e pu-lo no chão,
a vê-lo correr
da imaginação...
A seguir, tirei do bolso do colete
nuvens e estrelas
e estendi um tapete
de flores
a concebê-las.
Depois, encostado à mesa,
tirei da boca um pássaro a cantar
e enfeitei com ele a Natureza
das árvores em torno
a cheirarem ao luar
que eu imagino.
E agora aqui estou a ouvir
A melodia sem contorno
Deste acaso de existir
– onde só procuro a Beleza
para me iludir
dum destino.
In “Poesia III”
Portugália Editora
José Gomes Ferreira
(1900-1985)
FLORES DO VERDE PINHO
Ó meu jardim de saudades,
Verde catedral marinha
E cuja reza caminha
Pelas reboantes naves…
Ai flores do verde pinho,
Dizei que novas sabedes
Da minha alma, cujas sedes
Me perderam no caminho!
Revejo-te e venho exangue;
Acolhe-me com piedade,
Longo jardim de saudade
Que me puseste no sangue.
Ai flores do verde ramo,
Dizei que novas sabedes
Da minha alma, cujas sedes
Ma alongaram do que eu amo!
- A tua alma em mim existe
E anda no aroma das flores
Que te falam dos amores
De tudo o que é lindo e triste.
A tua alma, com carinho,
Eu guardo-a e deito-a, a cantar,
Das flores do verde pinho
- Àquelas ondas do mar.
In “País Lilás, Desterro Azul”
Sociedade Editora Portugal-Brasil
Afonso Lopes Vieira
(1878-1946)
POEMA AGRESTE
Não sei por que buscas palavras longas
para as coisas breves que nos assombram.
Não sei por que teces teias enormes
para as incertezas que nos envolvem.
Não sei por que insistes. Não sei porque insistes
em prender meus passos nesse limite.
In “Poemas do Tempo Agreste”
Glória de Sant’Anna
(1925 -2009)
PAISAGEM VERDADEIRA
O verde tenro e vivo, de folhagem,
presépio dos meus sonhos, em menino,
pôs-se de luto a par do meu destino,
cego-me a vê-lo imagem de miragem.
Quando, iludido, o busco na ramagem,
já com seus tons mais brandos não atino.
E nesta escuridão, só me ilumino
vendo-o compor-me interior paisagem.
Paisagem de ouro verde, que de mim
sai alongada em foco para a terra,
a procurar vencer-lhe a cerração.
E onde num crepúsculo sem fim
tonta, a esperança, esvoaçando, erra
sobre torres de encanto e de traição!
In “Poemas de Edmundo de Bettencourt”
Assírio & Alvim
Edmundo de Bettencourt
(1889-1973)
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