PODES TER OS AMORES QUE QUISERES...
Podes dizer que me não amas,
sim, podes dizê-lo,
e o mundo acreditar,
porque só eu saberei
que mentes!
Eu estou na tua alma
como a flama
que devora sob a cinza
as brasas dormentes...
Não creias no remorso
- o remorso não existe!
O que tu sentes
e o que em ti subsiste,
são o rubor da minha ternura
e a chama do meu amor
que em ti
nunca foram ausentes!...
Não julgues, não, que me esqueceste,
porque mentes a ti mesmo
se o disseres…
Podes ter os amores que quiseres,
que o teu amor por mim,
como uma dor latente e compungida,
há-de acompanhar sempre
a tua e a minha vida!
Fevereiro – Sol-posto
1924
In “Poesia e Prosa”
Publicações Dom Quixote
Judith Teixeira **
(1880-1959)
** Pseudónimo de Judite dos Reis Ramos Teixeira
OFÍCIO E MORADA
De barro somos, dizem os oráculos,
solícitas vozes do crepúsculo
ou das manhãs solenes, rotuais.
De heróis e deuses falam
mitos e salmos, dou
tos compêndios de
subtil doutrina. Assim
de urtigas e de musgo
se alimentam as parábolas,
escreve a ciência
os seus epitáfios.
De comércio sabemos.
Com âncoras e astro
lábios medimos
nossa rota inscrita
na retina. Exaustos,
entre aquáticas
florestas, perseguimos
os veados do sol
e da vertigem. Por
obscuras silícias
e cretas navegamos.
In “Os remos escaldantes”
Editora O Oiro do Dia – Porto – 1983
Albano Martins
(1930-2018)
INCREDULIDADE
Estes meus versos simples que te dou
E por que mostras só curiosidade,
Crendo que são uma futilidade,
Um passatempo frívolo em que estou;
Mal sabes quanto amor se concentrou
Nêles: com quanto ardor, quanta ansiedade
Os recortei na pura claridade
Do dulcíssimo sonho que os gerou.
Pertencem-te meus versos, se são teus!
Se me veem de ti como Deus,
Embora saiba bem que tu não crês…
Ah, que cegueira e desentendimento;
És tu que falas no meu pensamento,
Estás toda inteira nêle e não vês…
(mantém a grafia original)
In “Contemporanea”
Director - José Pacheco
Ano I - Volume III - Nº.9 Ano 1923
Pág. 119
Manuel Ribeiro
(1878-1941)
BALADA DE COIMBRA
- Do Penedo da Saudade
Lancei os olhos além.
Meu sonho de eternidade
Com saudades rima bem...
Ai sombras da Torre de Anto,
Do Convento de além rio,
Dos muros brancos do Pio,
De Santo António a cismar,
Que é de outras sombras que à tarde
Convosco se confundiam,
E ao ar os braços erguiam,
E as mãos abriam no ar...?
(Sem saber para onde iam,
Aonde iriam parar?)
- Penha da Meditação...
Silêncio que paira em tudo!
A terra e o céu dão a mão
Num longo colóquio mudo...
Ai céus de Setembro-Outubro,
Painéis de sonho e loucura,
Rasgando a toda a lonjura
Cenários de arrepiar,
Que é de esses olhos de abismo
Que à tarde a vós se elevam,
Por longe andavam, voltavam,
Vos devolviam no olhar...?
(Sem saber o que buscavam,
Que haviam de ir encontrar?)
- Chegam da Baixa até Celas
Os ais dos sinos na bruma.
Se o céu tem tantas estrelas,
Importa lá cair uma!
Ai linda triste janela,
Toda voltada ao poente,
De onde a menina doente
Sorria a um Anjo seu par,
Rainha Santa do bairro,
Que é de essa cuja mão fria
Do teu caixilho pendia
Como um lírio a desfolhar...?
(Sem saber para onde ia,
Aonde iria parar?)
- Quinta das lágrimas, onde
Chora a fonte doce e langue!
Corre a água, e não esconde
Aquelas manchas de sangue...
Ai olivais silva e prata,
Choupos transidos de mágoa,
Ai laranjais de ao pé de água
Com frutos de oiro a brilhar,
Que é do bando vagabundo
Cujo rir vos acordava,
Cuja tristeza só dava
Mais vontade de cantar...?
(Sem saber o que buscava,
Que havia de ir encontrar?)
- Fui à Lapa dos Esteios,
Grandes coisas fui saber:
Que há pedras que têm seios,
que eu bem n-as ouvi gemer...
Ai pedras nuas dos becos
Despenhando-se, angustiados
Entre esses velhos telhados
E muros de ar singular,
Que é de esses passos que a medo
Vos pisavam, e tremiam,
Passos de irmão, que sofriam
Da mágoa de vos pisar...?
(Sem saber para onde iam,
Aonde iriam parar?)
- No Choupal quis fazer versos,
Olhei as folhas do chão.
Deus sabe os sonhos dispersos
Que o vento leva na mão!
Ai águas do meu Mondego
Que entre choupais murmurando
Se me esquivais, nesse brando
Sempre ir andando até mar,
Que é das mãos roxas de febre
Que em vós se desalteravam,
E entre as folhas que boiavam
Se deixavam arrastar...?
(Sem saber o que buscavam,
Que haviam de ir encontrar?)
- A Santa Cruz, um por um,
Dos troncos fui despedir-me.
Não tenho amigo nenhum
Que me haja sido tão firme...
Ai choro com que o Paredes,
Vibrando os dedos em garra,
Despedaçava a guitarra,
Punha os bordões a estalar,
Gritos de cristal e de oiro
Que o Bettencourt alto erguia,
Que é da roda que algum dia
Vos sabia acompanhar...?
(Sem saber para onde ia,
Aonde iria parar?)
- Fonte do Largo da Sé,
Que dizes tu ao cair?
- Mortos do adro, de pé!,
Que os vivos é só dormir...
Ai crepúsculos de antanho,
Limalha do sol, que morre
Lá desde o cimo da Torre
Té Santa Clara, além mar,
Que é de essa plêiade antiga
Cuja alma em vós se encantava,
Feita de cinza e de lava,
Desfeita em sombra e luar...?
(Sem saber o que buscava,
Deus sabe o que iria achar!)
- Do Penedo da Saudade
Lancei os olhos acima.
Sonho meu de eternidade
Com saudade é que bem rima...
In “Fado”
Editora A Bela e o Monstro - 2015
José Régio **
(1901-1969)
** Pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira
GUARDADORA DE VENTOS
Cheguei a casa quando anoitecia.
Ainda quente, o vento empurrava-me o vestido.
Por um instante senti-me ave
levada por brisas, plumas e enigmas.
A aragem entontecia-me de prazer.
Queria ficar nos braços daquele vento.
Imaginei que o anoitecer me pertencia.
De pé, senti o teu corpo.
O meu, aberto e solto, deixou-se ir.
Sou apenas uma guardadora de ventos.
In “Nomes da Noite”
Colecção A água e a sede”
Edições Modocromia
Lília Tavares
(N.1961)
MONTADO VELHO
Meu triste montado velho,
Que paz tem quem te procura
E, em ti, vem achar o espelho
De uma vida sem doçura,
Mas livre de enganos vãos!…
Troncos rugosos, mas sãos,
Ásperos, sim, mas generosos;
Todos, na desgraça, irmãos,
Dos maus invernos ventosos,
E dos verões, sem pinga d’água.
Montado, que estranha mágoa
Te confrange e te redime!
A tua visão afago-a:
– és bom cenário pra um crime
e pra milagres também.
Montado, além, mais pra além,
Há céus azuis e há searas.
E brandas águas que têm
O brilho de pedras raras,
E não há solidão!…
Mas essa tua canção
–soluço d’alma que anseia –
também, a meu coração,
furtivamente se enleia.
E aqui me fico contigo.
Sem ternura, nem doçura:
Mas longe do mundo vão,
– meu velho montado amigo!…
O Espaço da Escrita
In “Obra Completa de Francisco Bugalho”
Organização de Luís Manuel Gaspar, João Filipe Bugalho,
Maria Jorge, Luís Amaro e Diana Pimentel
Prefácio de Joana Varela
Editora LG
Francisco Bugalho
(1905-1949)
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