Terça-feira, 31 de Março de 2020

Recordando... Judith Teixeira **

PODES TER OS AMORES QUE QUISERES...

 

Podes dizer que me não amas,

sim, podes dizê-lo,

e o mundo acreditar,

porque só eu saberei

que mentes!

 

Eu estou na tua alma

como a flama

que devora sob a cinza

as brasas dormentes...

 

Não creias no remorso

- o remorso não existe!

O que tu sentes

e o que em ti subsiste,

são o rubor da minha ternura

e a chama do meu amor

que em ti

nunca foram ausentes!...

 

Não julgues, não, que me esqueceste,

porque mentes a ti mesmo

se o disseres…

Podes ter os amores que quiseres,

que o teu amor por mim,

como uma dor latente e compungida,

há-de acompanhar sempre

a tua e a minha vida!

 

Fevereiro – Sol-posto

 

1924

 

In “Poesia e Prosa”

Publicações Dom Quixote

 

Judith Teixeira **

(1880-1959)

 

** Pseudónimo de Judite dos Reis Ramos Teixeira

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Quarta-feira, 25 de Março de 2020

Recordando... Albano Martins

OFÍCIO E MORADA

De barro somos, dizem os oráculos,
solícitas vozes do crepúsculo
ou das manhãs solenes, rotuais.

De heróis e deuses falam
mitos e salmos, dou
tos compêndios de
subtil doutrina. Assim
de urtigas e de musgo
se alimentam as parábolas,
escreve a ciência
os seus epitáfios.

De comércio sabemos.
Com âncoras e astro
lábios medimos
nossa rota inscrita
na retina. Exaustos,
entre aquáticas
florestas, perseguimos
os veados do sol
e da vertigem. Por
obscuras silícias
e cretas navegamos.

 

In “Os remos escaldantes”

Editora O Oiro do Dia – Porto – 1983 

 

Albano Martins

(1930-2018)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Quinta-feira, 19 de Março de 2020

Recordando... Manuel Ribeiro

INCREDULIDADE

 

Estes meus versos simples que te dou

E por que mostras só curiosidade,

Crendo que são uma futilidade,

Um passatempo frívolo em que estou;

 

Mal sabes quanto amor se concentrou

Nêles: com quanto ardor, quanta ansiedade

Os recortei na pura claridade

Do dulcíssimo sonho que os gerou.

 

Pertencem-te meus versos, se são teus!

Se me veem de ti como Deus,

Embora saiba bem que tu não crês…

 

Ah, que cegueira e desentendimento;

És tu que falas no meu pensamento,

Estás toda inteira nêle e não vês…

 

(mantém a grafia original)

 

In “Contemporanea”

Director - José Pacheco

Ano I - Volume III - Nº.9 Ano 1923

Pág. 119

 

Manuel Ribeiro

(1878-1941)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Sexta-feira, 13 de Março de 2020

Recordando... José Régio **

BALADA DE COIMBRA

- Do Penedo da Saudade
Lancei os olhos além.
Meu sonho de eternidade
Com saudades rima bem...

Ai sombras da Torre de Anto,
Do Convento de além rio,
Dos muros brancos do Pio,
De Santo António a cismar,
Que é de outras sombras que à tarde
Convosco se confundiam,
E ao ar os braços erguiam,
E as mãos abriam no ar...?

(Sem saber para onde iam,
Aonde iriam parar?)

- Penha da Meditação...
Silêncio que paira em tudo!
A terra e o céu dão a mão
Num longo colóquio mudo...

Ai céus de Setembro-Outubro,
Painéis de sonho e loucura,
Rasgando a toda a lonjura
Cenários de arrepiar,
Que é de esses olhos de abismo
Que à tarde a vós se elevam,
Por longe andavam, voltavam,
Vos devolviam no olhar...?

(Sem saber o que buscavam,
Que haviam de ir encontrar?)

- Chegam da Baixa até Celas
Os ais dos sinos na bruma.
Se o céu tem tantas estrelas,
Importa lá cair uma!

Ai linda triste janela,
Toda voltada ao poente,
De onde a menina doente
Sorria a um Anjo seu par,
Rainha Santa do bairro,
Que é de essa cuja mão fria
Do teu caixilho pendia
Como um lírio a desfolhar...?

(Sem saber para onde ia,
Aonde iria parar?)

- Quinta das lágrimas, onde
Chora a fonte doce e langue!
Corre a água, e não esconde
Aquelas manchas de sangue...

Ai olivais silva e prata,
Choupos transidos de mágoa,
Ai laranjais de ao pé de água
Com frutos de oiro a brilhar,
Que é do bando vagabundo
Cujo rir vos acordava,
Cuja tristeza só dava
Mais vontade de cantar...?

(Sem saber o que buscava,
Que havia de ir encontrar?)

- Fui à Lapa dos Esteios,
Grandes coisas fui saber:
Que há pedras que têm seios,
que eu bem n-as ouvi gemer...

Ai pedras nuas dos becos
Despenhando-se, angustiados
Entre esses velhos telhados
E muros de ar singular,
Que é de esses passos que a medo
Vos pisavam, e tremiam,
Passos de irmão, que sofriam
Da mágoa de vos pisar...?

(Sem saber para onde iam,
Aonde iriam parar?)

- No Choupal quis fazer versos,
Olhei as folhas do chão.
Deus sabe os sonhos dispersos
Que o vento leva na mão!

Ai águas do meu Mondego
Que entre choupais murmurando
Se me esquivais, nesse brando
Sempre ir andando até mar,
Que é das mãos roxas de febre
Que em vós se desalteravam,
E entre as folhas que boiavam
Se deixavam arrastar...?

(Sem saber o que buscavam,
Que haviam de ir encontrar?)

- A Santa Cruz, um por um,
Dos troncos fui despedir-me.
Não tenho amigo nenhum
Que me haja sido tão firme...

Ai choro com que o Paredes,
Vibrando os dedos em garra,
Despedaçava a guitarra,
Punha os bordões a estalar,
Gritos de cristal e de oiro
Que o Bettencourt alto erguia,
Que é da roda que algum dia
Vos sabia acompanhar...?

(Sem saber para onde ia,
Aonde iria parar?)

- Fonte do Largo da Sé,
Que dizes tu ao cair?
- Mortos do adro, de pé!,
Que os vivos é só dormir...

Ai crepúsculos de antanho,
Limalha do sol, que morre
Lá desde o cimo da Torre
Té Santa Clara, além mar,
Que é de essa plêiade antiga
Cuja alma em vós se encantava,
Feita de cinza e de lava,
Desfeita em sombra e luar...?

(Sem saber o que buscava,
Deus sabe o que iria achar!)

- Do Penedo da Saudade
Lancei os olhos acima.
Sonho meu de eternidade
Com saudade é que bem rima...

In “Fado”

Editora A Bela e o Monstro - 2015

 

José Régio **

(1901-1969)

 

** Pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Sábado, 7 de Março de 2020

Recordando... Lília Tavares

GUARDADORA DE VENTOS

 

Cheguei a casa quando anoitecia.

Ainda quente, o vento empurrava-me o vestido.

Por um instante senti-me ave

levada por brisas, plumas e enigmas.

A aragem entontecia-me de prazer.

Queria ficar nos braços daquele vento.

Imaginei que o anoitecer me pertencia.

De pé, senti o teu corpo.

O meu, aberto e solto, deixou-se ir.

Sou apenas uma guardadora de ventos.

 

In “Nomes da Noite”

Colecção A água e a sede” 

Edições Modocromia

 

Lília Tavares

(N.1961)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ler comentários (1) | favorito
Domingo, 1 de Março de 2020

Recordando... Francisco Bugalho

MONTADO VELHO

 

Meu triste montado velho,

Que paz tem quem te procura

E, em ti, vem achar o espelho

De uma vida sem doçura,

Mas livre de enganos vãos!…

 

Troncos rugosos, mas sãos,

Ásperos, sim, mas generosos;

Todos, na desgraça, irmãos,

Dos maus invernos ventosos,

E dos verões, sem pinga d’água.

 

Montado, que estranha mágoa

Te confrange e te redime!

A tua visão afago-a:

– és bom cenário pra um crime

e pra milagres também.

 

Montado, além, mais pra além,

Há céus azuis e há searas.

E brandas águas que têm

O brilho de pedras raras,

E não há solidão!…

 

Mas essa tua canção

–soluço d’alma que anseia –

também, a meu coração,

furtivamente se enleia.

E aqui me fico contigo.

 

Sem ternura, nem doçura:

Mas longe do mundo vão,

– meu velho montado amigo!…

 

O Espaço da Escrita

 

In “Obra Completa de Francisco Bugalho”

Organização de Luís Manuel Gaspar, João Filipe Bugalho,

Maria Jorge, Luís Amaro e Diana Pimentel

Prefácio de Joana Varela

Editora LG

 

Francisco Bugalho

(1905-1949)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito

.Eu

.pesquisar

 

.Março 2024

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
14
15
16
17
18
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

.Ano XVI

.posts recentes

. Recordando... Ricardo Gil...

. Recordando... Saúl Dias *...

. Recordando... Ruy Belo

. Recordando... Rui Miguel ...

. Recordando... Rui Pires C...

. Recordando... Sebastião d...

. Recordando... Augusto Mol...

. Recordando... Egito Gonça...

. Recordando... António Ram...

. Recordando... Maria Auror...

.arquivos

. Março 2024

. Fevereiro 2024

. Janeiro 2024

. Dezembro 2023

. Novembro 2023

. Outubro 2023

. Setembro 2023

. Agosto 2023

. Julho 2023

. Junho 2023

. Maio 2023

. Abril 2023

. Março 2023

. Fevereiro 2023

. Janeiro 2023

. Dezembro 2022

. Novembro 2022

. Outubro 2022

. Setembro 2022

. Agosto 2022

. Julho 2022

. Junho 2022

. Maio 2022

. Abril 2022

. Março 2022

. Fevereiro 2022

. Janeiro 2022

. Dezembro 2021

. Novembro 2021

. Outubro 2021

. Setembro 2021

. Agosto 2021

. Julho 2021

. Junho 2021

. Maio 2021

. Abril 2021

. Março 2021

. Fevereiro 2021

. Janeiro 2021

. Dezembro 2020

. Novembro 2020

. Outubro 2020

. Setembro 2020

. Agosto 2020

. Julho 2020

. Junho 2020

. Maio 2020

. Abril 2020

. Março 2020

. Fevereiro 2020

. Janeiro 2020

. Dezembro 2019

. Novembro 2019

. Outubro 2019

. Setembro 2019

. Agosto 2019

. Julho 2019

. Junho 2019

. Maio 2019

. Abril 2019

. Março 2019

. Fevereiro 2019

. Janeiro 2019

. Dezembro 2018

. Novembro 2018

. Outubro 2018

. Setembro 2018

. Agosto 2018

. Julho 2018

. Junho 2018

. Maio 2018

. Abril 2018

. Março 2018

. Fevereiro 2018

. Janeiro 2018

. Dezembro 2017

. Novembro 2017

. Outubro 2017

. Setembro 2017

. Agosto 2017

. Julho 2017

. Junho 2017

. Maio 2017

. Abril 2017

. Março 2017

. Fevereiro 2017

. Janeiro 2017

. Dezembro 2016

. Novembro 2016

. Outubro 2016

. Setembro 2016

. Agosto 2016

. Julho 2016

. Junho 2016

. Maio 2016

. Abril 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2016

. Janeiro 2016

. Dezembro 2015

. Novembro 2015

. Outubro 2015

. Setembro 2015

. Agosto 2015

. Julho 2015

. Junho 2015

. Maio 2015

. Abril 2015

. Março 2015

. Fevereiro 2015

. Janeiro 2015

. Dezembro 2014

. Novembro 2014

. Outubro 2014

. Setembro 2014

. Agosto 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Abril 2014

. Março 2014

. Fevereiro 2014

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Outubro 2013

. Setembro 2013

. Agosto 2013

. Julho 2013

. Junho 2013

. Maio 2013

. Abril 2013

. Março 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Setembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Junho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

. Fevereiro 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Novembro 2007

. Outubro 2007

. Setembro 2007

. Agosto 2007

. Julho 2007

. Junho 2007

. Maio 2007

. Abril 2007

.tags

. todas as tags

blogs SAPO

.subscrever feeds