ESPLANADA
Naquele tempo falavas muito de perfeição,
da prosa dos versos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares.
Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão,
agora lês saramagos & coisas assim
e eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando as tuas pernas que subiam lentamente
até um sítio escuro dentro de mim.
O café agora é um banco, tu professora do liceu;
Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.
Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes,
e não caminhos por andar como dantes.
In “Um Sítio onde Pousar a Cabeça”
Manuel António Pina
(1943-2012)
PERENIDADE
Mesmo depois do Tempo
ficaremos no coração aberto dos
que amamos.
E no grande silêncio que restar,
na ausência dos gestos e do olhar
ainda assim estaremos
e seremos.
Mesmo depois do Tempo
quando formos lembrança evanescente,
seremos outra forma de presença
porque o Amor subsiste
Eternamente.
In “As palavras às vezes”
Fernanda Seno
(1942-1996)
O PÓ NOS PASSEIOS
O pó nos passeios com vagar
se ergue. A luz é mais nítida.
Os corpos se mostram. Em algumas
praias residem dialectos. Turismo
nos marca com ferro diferente
em costumes e fala. Nas ruas se vende
o jornal da estranja. O burro
ainda merca. Alfarroba em bolsa.
O pó nos passeios com vagar
se ergue. A luz ainda é nítida.
Só de certo modo. Só em certas terras.
Turismo na farda. No bolso o desdém.
In "Algumas Palavras"
Nova Realidade
Eduardo Guerra Carneiro
(1942-2004)
ESQUEMA
ASA - Mas não de perto,
que de perto não vôo,
vou de rastos.
Anjo deserto,
são as asas, primeiro, que me rôo
ao silêncio dos astros.
(Quanto pode esta fome de viver
que de mim se sustenta e me sustém!
Tudo o que é não-morrer
me sabe bem).
In “Linha de Terra”
Editorial Inquérito – 1952
António de Sousa
(1898-1981)
EM BUSCA
Ponho os olhos em mim, como se olhasse um estranho,
E choro de me ver tão outro, tão mudado...
Sem desvendar a causa, o íntimo cuidado
Que sofro do meu mal - o mal de que provenho.
Já não sou aquele Eu do tempo que é passado,
Pastor das ilusões perdi o meu rebanho,
Não sei do meu amor, saúde não na tenho,
E a vida sem saúde é um sofrer dobrado.
A minh’alma rasgou-ma o trágico Desgosto
Nas silvas do abandono, à hora do sol-posto,
Quando o azul começa a diluir-se em astros...
E à beira do caminho, até lá muito longe,
Como um mendigo só, como um sombrio monge,
Anda o meu coração em busca dos seus rastros...
In “Fel”
Guimarães Editores
José Duro
(1873-1899)
MANHÃ ETERNA
Terra, mas terra extensa, de longes baços
terra de além
que se alonga e se despedaça em ondas
mas ondas de verdura
nos horizontes.
Terra sem fim, a desfazer-se em fumos.
Além que se desfaz em odores
e em névoas.
Terra, mas terra forte e luminosa
capaz de germinar no seio astros.
Planície que se evapora na altura
enxuta em sol.
Terra de corredores internos
subterrâneos cheios de luz.
Ouro potável, castanho e solar.
Searas extensas como céus.
Grãos luminosos e ardentes, sementes
que se espalham pela terra como cometas.
Terra celeste, flor astral
onde a noite acorda pelo Abril do dia.
Terra de luz, cheia de ouro
que estremece como uma estrela.
In “Estrela Subterrânea”
Editora Limiar
António Cândido Franco
(N.1956)
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