HYMNO Á ALEGRIA
(A Carlos Malheiro Dias)
Tenho-a visto passar, cantando, á minha porta,
E ás vezes, bruscamente, invadir o meu lar,
Sentar-se á minha mesa, e a sorrir, meia morta,
Deitar-se no meu leito e o meu somno embalar.
Tumultuosa, nos seus caprichos desenvoltos,
Quasi meiga, apesar do seu riso constante,
D'olhos a arder, labios em flor, cabellos soltos,
A um tempo é cortesã, deusa ingenua ou bachante...
Quando ella passa, a luz dos seus olhos deslumbra;
Tem como o sol d'inverno um brilho encantador;
Mas o brilho é fugaz, – scintilla na penumbra,
Sem que d'elle irradie um facho creador.
Quando menos se espera, irrompe d'improviso;
Mas foge-nos tambem com uma presteza egual;
E d'ella apenas fica um pállido sorriso
Traduzindo o desdem d'uma illusão banal.
Onda mansa que só á superficie corre,
Toda a alegria é vã; só a Dor é fecunda!
A Dor é a Inspiração, louro que nunca morre,
Se em nós crava a raiz exhaustiva e profunda!
No entanto, eu te saudo e louvo, hora dourada,
Em que a Alegria vem extinguir, de surpresa,
Como chuva a cair numa planta abrasada,
A fornalha em que a Dor se transmuta em Belleza!
Pensar, é certo, eleva o espirito mais alto;
Soffrer torna melhor o coração; depura
Como um crysol: a chispa irrompe do basalto,
Sae o oiro em fusão da escoria mais impura.
A Alegria é fallaz; só quem soffre não erra,
Se a Dor o eleva a Deus, na palavra que o louve;
A Alma, na oração, desprende-se da terra;
Jamais o homem é vão deante de Deus que o ouve!
E comtudo, – illusão! – basta que ella sorria,
Basta vê-la de longe, um momento, a acenar,
Vamos logo em tropel, no capricho do dia,
Como ébrios, Evohé! atrás d'ella a cantar!
Mas se ella, de repente, ao nosso olhar se furta,
Todo o seu brilho é pó que anda no sol disperso;
A Alegria perfeita é uma aurora tão curta,
Que mal chega a doirar as cortinas do berço.
Ás vezes, essa luz de tão fragil encanto,
Vem ainda banhar certas horas da Vida,
Como um iris de paz numa névoa de pranto,
Crepitação, fulgor d'uma estrella perdida.
Então, no resplendor d'essa aurora bemdita,
Toma corpo a illusão, e sem áncias, sem penas,
O espirito remoça, o coração palpita,
Seja a nossa alma embora uma saudade apenas!
Mas ephémera ou vã, a Alegria... que importa?
Deusa ingenua ou bachante, o seu riso clemente,
Quando, mesmo de longe, echôa á nossa porta,
Deixa em louco alvoroço o coração da gente!
Momentánea ou fallaz, é sempre um dom divino,
Sol que um instante vem a nossa alma aquecer...
Podesse eu celebrar teu louvor no meu Hymno!
Momentáneo, fallaz encanto de viver!
O teu sorriso enxuga o pranto que choramos,
E eu não sei traduzir a ventura que exprimes!
Nesta sentimental lingua que nós falamos,
Só a Dor e a Paixão têm accordes sublimes!
(Mantem a grafia original)
In “Sol de Inverno”
António Feijó
(1859-1917)
DESVERSOS
Não sei se li em Arnaldo Gama
ou no mapa do Automóvel Clube
envelhecer para morrer em paz
é melhor no Norte do que no Sul
pergunta a douta Ordem dos Médicos
se tenho de ser severo e brusco
em questões destas sou terminante
morre-se mais descansado com saúde
atente bem o sr. bastonário
se uma doença triste não é o cúmulo
e há mais: nos doze meses seguintes
os familiares deviam evitar o luto
digo-o para tranquilizar a Nação
em época de crise tão profunda
um enterro no Norte chega a ser alegre
morteiros gigantones bandas de música!
In "A Musa Irregular"
Assírio & Alvim - 2006
Fernando Assis Pacheco
(1937-1995)
NUA
I
Nua
como Eva.
A cabeleira
beija-lhe o rosto oval e flutua;
o corpo
é água de torrente...
Eva adolescente,
com reflexos de lua
e tons de aurora...!
Roseira que enflora...!
Desflorada por tanta gente...
II
Teu corpo,
mal o toquei...
Só te abracei
de leve...
Foi todo neve
o sonho que alonguei...
Asas em voo,
quem, um dia, as teve?
Os sonhos que eu sonhei!
III
Jeito de ave
e criança,
suave
como a dança
do ramo de árvore
que o vento beija e balança!
Nave
de sonho
no temporal medonho
silvando agoiro!
Quem destrançou os teus cabelos de oiro?
IV
Corpo fino,
delicado,
sereno, sem desejos...
Tão macio,
tão modelado...
Beijos... Beijos... Beijos...
V
No meu sono
ela flutua
a cada passo...
Nua,
riscando o espaço
numa névoa de outono...
Apenas nos cabelos
um azulado laço...
E assim enlaço
a imagem sua...
In "Sangue"
Ed. Ser
In “Obra Poética”
Ed Campo das Letras
Saúl Dias **
(1902-1983)
** Pseudónimo de Júlio Maria dos Reis Pereira
DESLUMBRAMENTO
A final as tuas lágrimas por mim são as gotas de orvalho
Na manhã que desponta!...
E o teu sorriso triste e profundo
E pôr-me de joelhos e beijar a terra húmida.~.
Quase choro de alegria!
In “ÁRVORE ”
Folhas de Poesia
Direcção e Edição de António Luís Moita, António Ramos Rosa,
José Terra, Luís Amaro, Raul de Carvalho
1.º Fascículo - Outubro de 1951
Pág. 17
Cristovam Pavia **
(1933-1968)
** Pseudónimo de Francisco António Lahmeyer Flores
MATER DOLOROSA
A Mãe do Poeta chora
E a sua canção inquieta
Parece pedir perdão
Aos homens sem coração
Por ter um filho Poeta...
Na praia, em pequeno, um dia
Meteu-se à onda bravia
Que, à das águas, trazia
Um peixe cor do luar...
Mas a onda fez-se mansa.
Teve dó dessa criança
Cujo crime era sonhar!
Certa noite, à sua porta,
Vieram cantar os Reis
– Ai! a de branco! a de branco!
Fulvo cabelo aos anéis...
Flor, entre os dedos, singela...
E ele, então, logo perdido,
Foi pela rua, atrás dela.
No rastro do seu vestido...
Aos vinte anos, cismador,
Esqueceu que havia as Sortes.
Magrinho, falho de cor...
Por isso, os mais, que eram fortes
(Os que tinham ido às Sortes!)
Lhe chamam desertor.
Em tardes de romaria,
Todo o mundo o viu bailar!
Quando o seu corpo bulia,
Subiam torres ao ar...
Por fim, calava-se a dança.
E ele, de novo, a criança,
Que a onda brava, depois mansa,
Recolhera no caminho...
Formou-se em Doutor de Leis.
Que pode a idade e os estudos?
Seus olhos ficaram mudos
À letra fria das leis.
Seus olhos só viam dança...
Se ainda era a mesma criança
Que ouvira cantar os Reis!
E a mãe do Poeta chora.
E a sua canção inquieta,
Perece pedir perdão
Aos homens sem coração
Por ter um filho Poeta..
In "Bodas Vermelhas"
Editorial Domingos Barreira.
Pedro Homem de Mello
(1904 -1984)
MÃE
Olha, meu filho! quando, à aragem fria
De algum torvo crepúsculo, encontrares
Uma árvore velhinha, em modo e em ares
De abandono e outonal melancolia,
Não passes junto dela nesse dia
E nessa hora de bênçãos, sem parares;
Não vás, sem longamente a contemplares:
Vida cansada, trémula e sombria!
Já foi nova e floriu entre esplendores:
Talvez em derredor, dos seus amores
Inda haja filhos que lhe queiram bem...
Ama-a, respeita-a, ampara-a na velhice;
Sorri-lhe com bondade e com meiguice:
– Lembre-te, ao vê-la, a tua própria Mãe!
In “Antologia Poética”
António Correia de Oliveira
(1879-1960)
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