INSEGURANÇAS
A lápis escrevo o que surge
num confuso emaranhado
de ideias indefinidas
é quase como pescar num cardume
um peixe de cada vez e
ficar a olhar para ele, como
se reflectisse a minha vida.
Escrevo a lápis porque já
nada para mim é certo
E porque me perco neste mundo
Só de ideias, fantasias e considerações
Não sei mais o que penso
Acerca das coisas às
vezes detesto-me por isso
In “Enchamos tudo de Futuros”
Editora Sopa de Letras
Rita Wemans
(1982-2002)
ATÉ SEMPRE
Perdeste a lágrima, menino?
Quem afligiu a tua bola?
Pega lá vida, faz o pino:
Sempre o contrário nos consola.
A vida é péla, rasga a vida,
Que em mim já antes papel é.
Vê como a levo de vencida
Desde que nele escrevo, até...
Sempre, menino, até sempre!
No bibe o corpo; deixa! Lava-se
E não te esqueças, chuta sempre!
(Não chegou a chorar, mas preparava-se).
31.7.59
In “O Verbo e a Morte”
Morais Editora - 1959
Vitorino Nemésio
(1901-1978)
VOZ QUE ESCUTA
Chamam-me lá em baixo.
São as coisas que não puderam decorar-me:
As que ficaram a mirar-me longamente
E não acreditaram;
As que sem coração, no relâmpago do grito,
Não puderam colher-me.
Chamam-me lá em baixo,
Quase ao nível do mar, quase à beira do mar,
Onde a multidão formiga
Sem saber nadar.
Chamam-me lá em baixo
Onde tudo é vigoroso e opaco pelo dia adiante
E transparente e desgraçado e vil
Quando a noite vem, criança distraída,
Que debilmente apaga os traços brancos
Deste quadro negro - a Vida.
Chamam-me lá em baixo:
Voz de coisas, voz de luta.
É uma voz que estala e mansamente cala
E me escuta.
In “As Três Pessoas”
Portugália Editora
Políbio Gomes dos Santos
(1911-1939)
QUATRO GRITOS PARA UM LONGO SILÊNCIO
IV
tenho um longo rosário de
datas com que os amigos
se habituaram a ver-me tricotar os dias,
espreitando-os
por entre malhas indecisas.
ouço o ruído da minha própria maresia
assolando
uma constelação encoberta sob a névoa
deste eterno silêncio.
depois uma ave sobrevoou tudo isto em círculos
insistentemente.
foste.
quando eu seria capaz de
bordar a fios de água
este amor.
In “Estações”
Editora Difel - 1ª edição - 1998
Pág. 48
Sandra Augusto França
(N.1971)
FLUXO
1.
bater à porta e virmos nós abrir
atravessar os corredores do tempo
redescobrir a casa onde vivemos
em outra incarnação há quantos séculos
o sol na pedra a árvore no pátio
sem folhas no inverno o muro gasto
a pausa do meu ombro no teu hálito
antes da consciência do silêncio
voltar então a mim não há memória
além das coisas onde nos perdemos
não as escutamos já ─ quem as procura?
que força nos investe a transitória
imagem que negamos de nós mesmos
que vida permanece e continua?
In “Mediações”
Edições Contexto
Teresa Balté
(N.1942)
SEMENTES
É claro que me lembro. Havia dois atalhos
pelo meio do pinhal, direcções espantosamente
precisas, animais que não voltei a ver.
Enquanto as colheitas amadureciam nos campos,
havia talismãs pendurados nas árvores e mercúrio
para tratar certas lesões, uma peça vital
do equipamento. Havia girassóis à volta da casa
e as palavras imortais dos espantalhos, uma forma
de evitar que endoidecêssemos. E havia um muro
que era preciso saltar, a manhã gloriosa
da escalada, a ciência das grandes migrações.
Mas não vale a pena entrar em mais detalhes.
Este é o meu corpo. Esta é a minha mente.
Conhecem-se desde a infância e cumpriram pena juntos.
Do futuro nada sei. Apenas que vem aí.
In “Segunda Voz”
Averno - 2014
Vítor Nogueira
(N.1966)
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