FERIDA CRÓNICA DO AMOR
Que dói ao deixar de existir
Como quem tenta resistir,
Ateima, ao rarear da sua existência,
Mostrando a tendência.
Ferida que se abre dia após dia
Lembrando-nos que o sentimento é dependente.
Aleija-nos, ao beijar a face rosada
Como uma dentada.
Desdém, sabor sentido
por quem sabe o que é o amor.
Amar é ganhar onde se perde,
É perder sem arrependimento,
É incendiar a face pálida na hora da despedida.
In "A Essência do Amor"
Obra Colectiva de Poesia - Vol. 3
Edições Vieira da Silva
Diana Guerra
(N.1989)
NON POSSO EU, MEU AMIGO
- Non posso eu, meu amigo,
con vossa soidade
viver, ben vo-lo digo;
e por esto morade,
amigo, u mi possades
falar e me vejades.
Non posso u vos non vejo
viver, ben o creede,
tan muito vos desejo;
e por esto vivede,
amigo, u mi possades
falar e me vejades.
Nasci em forte ponto;
e, amigo, partide
o meu gran mal sen conto,
e por esto guaride,
amigo, u mi possades
falar e me vejades.
- Guarrei, ben o creades,
senhor, u me mandades.
(Mantém a grafia de origem)
In "Cancioneiro da Vaticana"
Dom Dinis
(1261-1325)
ADORMECER
Adormecer
assim: inclinado
sobre um rio
em repouso.
A mão esquerda
caída em palma
no crânio; a boca
no ombro no aroma
da pele; o joelho
e a mão direita
na coxa no canteiro ainda
molhado. Acordar assim: ouvir
o breve adágio do corpo amado
a respiração pouco a pouco mais tumultuosa
sob os lençóis subitamente visitados
pelo sol da manhã.
In “69 Poemas de Amor”
4Águas Editora, Tavira 2008
Casimiro de Brito
(N.1938)
É DIFÍCIL NA VIDA...
É difícil na vida achar alguém
Que seja na verdade um grande amigo;
E se assim penso - e com tristeza o digo,
É porque o sei, talvez, como ninguém.
Se a amizade é um bem - e se esse bem
Traz o conforto de um divino abrigo,
Por mim, direi que nunca mais consigo
Iludir-me nas graças que ele tem.
Afectos, sacrifícios, lealdade!
Tudo se apaga ou fica na memória
Se a ilusão dá lugar á realidade.
E ai daqueles que pensam na excepção;
Acabam por ficar dentro da história
De que a vida é um sonho e uma traição.
In “Líricas Portuguesas” - I Volume
Selecção, Prefácios e apresentação de Jorge de Sena
Edições 70 -1984
António Botto
(1897-1959)
TREVA LUMINOSA
Ó minha quási Mãe, é neste instante
que parte para a vida o meu livrinho;
vai pela mão, vai confiante,
não tem mêdo ao caminho.
E eu beijo, fervorosa,
a doce mão que, sendo pequenina,
é forte e gloriosa;
e ajoelho ante a alma peregrina
que, em dor crucificada, em dor suprema,
da sua própria treva ainda ilumina,
com palavras de luz, o meu poema;
e, assim, ó alma grande e generosa,
alma egrégia e divina,
a tua treva é… treva luminosa.
In “Trevas Luminosas”
Portugália Editora - 1919
Cândida Ayres de Magalhães
(1875-1964)
CIÚME
Vão decorrendo as horas, vão-se os dias,
Mas como outrora ela não vem. Ciúme?
Olho em redor de mim, meu pobre lume,
São tudo cinzas mortas, cinzas frias.
Bateu o relógio as horas do costume,
E tu não vens, já não te vejo mais...
Dos nossos dias, vivos, triunfais,
Só restam coisas mortas e sombrias.
Não sei que mágoa e dor meus olhos cobre.
Sinto que alguém morreu dentro de mim.
Bate o relógio as horas, como um dobre,
A dizer, a dizer: tudo tem fim.
Vai a tarde a morrer, e um frio imenso
Cai sobre mim como um Pólo de gelo.
Junto de ti, quem estará, eu penso,
A beijar, em silêncio, o teu cabelo?
Nessas tardes, assim, vagas, sensuais,
Eu não quero pensar um só momento.
Se foram minhas, hoje são dos mais...
Deixo-as morrer no frio esquecimento.
"Bosque Sagrado"
In “Obra Poética de Alfredo Brochado”
Lello Editores
Alfredo Brochado
(1897-1949)
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