A MORTE É A CURVA DA ESTRADA
A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo.
A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu
Tudo é verdade e caminho.
Cancioneiro
In “Fernando Pessoa – Antologia Poética” – 3ª. Edição
Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses
Editora Ulisses
Fernando Pessoa
(1888-1935)
AH, ABRAM-ME OUTRA REALIDADE!
Ah, abram-me outra realidade!
Quero ter, como Blake, a contiguidade dos anjos
E ter visões por almoço.
Quero encontrar as fadas na rua!
Quero desimaginar-me deste mundo feito com garras,
Desta civilização feita com pregos.
Quero viver, como uma bandeira à brisa,
Símbolo de qualquer coisa no alto de uma coisa qualquer!
Depois encerrem-me onde queiram.
Meu coração verdadeiro continuará velando
Pano brasonado a esfinges,
No alto do mastro da visões
Aos quatro ventos do Mistério.
O Norte – o que todos querem
O Sul – o que todos desejam
O Este – de onde tudo vem
O Oeste – aonde tudo finda
– Os quatro ventos do místico ar da civilização
– Os quatro modos de não ter razão, e de entender o mundo
4-4-1924
In “Poesia”
Edição de Teresa Rita Lopes
Assírio & Alvim – 2002
Álvaro de Campos
Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)
O QUE VALE A MINHA VIDA?
O que vale a minha vida? No fim (não sei que fim)
Um diz: ganhei trezentos contos,
Outro diz: tive três mil dias de glória,
Outro diz: estive bem com a minha consciência e isso é bastante...
E eu, se lá aparecerem e me perguntarem o que fiz,
Direi: olhei para as cousas e mais nada.
E por isso trago aqui o Universo dentro da algibeira.
E se Deus me perguntar: e o que viste tu nas cousas?
Respondo: apenas as cousas... Tu não puseste lá mais nada.
E Deus que é da mesma opinião. Fará de mim uma nova espécie de santo.
[Poemas Inconjuntos]
In “Poesia”
Ed. Fernando Cabral Martins, Richard Zenith
Assírio & Alvim
Alberto Caeiro
Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)
LIBERDADE
Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...
In “Seara Nova” N.º 526 – 11/9/1937
Fernando Pessoa
(1888-1935)
CANÇÃO PARA FANNY
Vimos da onda, da costa
Em som arrebatador,
E da aragem que recosta
Numa nuvem seu langor;
Vimos do rio que murmura,
Da folhagem que sussurra,
Nós vimos alegremente.
Como os pingos do orvalho,
Brilhantes e numerosos
Nós descemos até Fanny
Como os dias luminosos;
Do alto cume do monte
E do cintilar da fonte,
Nós vimos alegremente.
Vimos do vale, da colina,
Da montanha, do valado;
Da tristeza da tardinha
Com tanto conto contado;
Do prado em sua doçura,
Da sombra em sua frescura,
Nós vimos alegremente.
Habitámos no salgueiro
E no ninho que acoberta,
Mas fizemos travesseiro
Do coração do poeta;
E de tudo o que repassa
As almas de amor e graça,
Nós vimos alegremente.
In “Poesia”
Edição e tradução de Luísa Freire
Assírio & Alvim – 1999
Alexander Search
Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)
AQUI, NESTE MISÉRRIMO DESTERRO
Aqui, neste misérrimo desterro
Onde nem desterrado estou, habito,
Fiel, sem que queira, àquele antigo erro
Pelo qual sou proscrito.
O erro de querer ser igual a alguém
Feliz, em suma — quanto a sorte deu
A cada coração o único bem
De ele poder ser seu.
6-4-1933
In “Odes de Ricardo Reis”
Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor
Ática, 1946 (imp.1994)
Pág. 153
Ricardo Reis
Heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)
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