Domingo, 31 de Março de 2019

Recordando... Orlando Neves

MUITAS CIDADES VIU PELA ÚLTIMA VEZ

 

Muitas cidades viu pela última vez, mares

que sulcou, sentimentos que sentiu,

jardins onde esteve, bosques onde sonhou,

amores que recorda, ruas que pisou,

 

poemas que o possuíram, neves onde

se corroeu, corpos de que foi parte, céus

que desabaram, dores que sofreu, palavras

jamais lembradas, alegrias que perdeu

 

– fragmentos de vidas irrepetíveis, como

esses segundos que fogem quando fulgem

os olhos de Laura. Só o trabalho do corpo

 

rompe o hímen do inconsolável tempo perdido.

Reaprende Francesco a sede do instante, a vida

rápida na memória dos olhos de Laura.

 

In “Nocturnidade”

Campo das Letras – 1999

 

Orlando Neves

(1935 -2005)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Segunda-feira, 25 de Março de 2019

Recordando... Manuel da Fonseca

MENINO

 

No colo da mãe

a criança vai e vem

vem e vai

balança.

Nos olhos do pai

nos olhos da mãe

vem e vai

vai e vem

a esperança.

 

Ao sonhado

futuro

sorri a mãe

sorri o pai.

Maravilhado

o rosto puro

da criança

vai e vem

vem e vai

balança.

 

De seio a seio

a criança

em seu vogar

ao meio

do colo-berço

balança.

 

Balança

como o rimar

de um verso

de esperança.

 

Depois quando

com o tempo

a criança

vem crescendo

vai a esperança

minguando.

E ao acabar-se de vez

fica a exacta medida

da vida

de um português.

 

Criança

portuguesa

da esperança

na vida

faz certeza

conseguida.

Só nossa vontade

alcança

da esperança

humana realidade.

 

In “Poemas para Adriano”

 

Manuel da Fonseca

(1911-1993)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Terça-feira, 19 de Março de 2019

Recordando... José Agostinho Baptista

É NO SUL ONDE ME DEMORO

 

É no sul onde me demoro.

Há uma varanda em frente onde espero o

entardecer,

essa hora mais lenta,

limiar da noite e do coração, quando soam os

punhais.

 

Estranhas são as nuvens deste céu litoral.

Passam, param,

soltam-se em intoleráveis figuras,

animais do vento, altíssima visão.

 

à esquerda é o caminho para o areal.

Do outro lado alguém toca,

os dedos ferem as cordas,

florescem as notas de um lamento distante.

 

Quantas noites estarei aqui,

nesta varanda do sul,

no entardecer destes países,

nas cordas de um cântico mortal?

 

In "Morrer no Sul"

Assírio & Alvim (1983)

 

José Agostinho Baptista

(N.1948)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Quarta-feira, 13 de Março de 2019

Recordando... António Gancho

ABERTURA

 

Eu abria o rádio

eu abria o aparelho

era uma flor branca que eu abria

de sopro

eu soprava e eu abria a flor

A flor tocava música com as várias mãos

das pétalas

A flor tocava uma simbolização dum tempo

caído podre de espera de cor branca

O tempo espera-se em pintar-se

de branco

para cegar uma cor

mas a minha flor abria-se de

pétalas

e as várias mãos escreviam um

piano por cima de teclas grãos vários

seguidos uns aos outros.

Era assim uma harmonia

entre flor

tempo a querer-se de cor branca em cegar

era assim umas teclas cantarem filhos de grãos

por dentro dos grãos mesmos

unidos que eram em dimensão de lado

era assim um cantar-me o tempo todo

não era assim um cantar-me o tempo todo

era assim um pairar-me

o tempo todo em Nijinsky

o tempo em um fazer-me ballet pelo quarto inteiro

quando eu tinha aberta a cabeça que imagino

da música

Abria a pétala favorita do harém

onde no centro um sultão da flor

no centro que era o amarelo da flor

abria a pétala favorita da flor

e então

e era então que me soava dentro da manhã

do quarto

uma música desfibrada de tempo serôdio

como se tudo me fosse em longe

como se a música levasse longe

o céu.

 

In “O Ar da Manhã”

Assírio & Alvim

 

António Gancho

(1940-2006)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Quinta-feira, 7 de Março de 2019

Recordando... Camilo Castelo Branco

A MAIOR DOR HUMANA

 

(Na morte quase simultânea dos

dois filhos únicos de Teófilo Braga)

 

Que imensas agonias se formaram

Sob os olhos de Deus! Sinistra hora

Em que o homem surgiu! Que negra aurora,

Que amargas condições o escravizaram!

 

As mãos, que um filho amado amortalharam,

Erguidas buscam Deus. A Fé implora…

E o céu que respondeu? As mãos baixaram

Para abraçar a filha morta agora.

 

Depois, um pai que em trevas vai sonhando,

E apalpa as sombras deles onde os viu

Nascer, florir, morrer!... Desastre infando!

 

Ao teu abismo, pai, não vão confortos…

És coração que a dor empederniu,

Sepulcro vivo de dois filhos mortos.

 

(Grafia actualizada)

 

In “Nas Trevas” 

Tavares Cardoso & Irmão - 1890 

 

Camilo Castelo Branco

(1825-1890)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Sexta-feira, 1 de Março de 2019

Recordando... Alexandra Malheiro

MORTE ÀS PALAVRAS

 

Tantas vezes que me apetece

matar as palavras ou

ficar quieta num canto à espera

que elas me matem.

Assassiná-las à paulada

é que era bom,

arrastá-las pelos cabelos,

arrancar-lhes os olhos,

as tripas, as guelras,

uma coisa de sangue e entranhas,

desentranhá-las de mim.

Tantas vezes me apetece

romper com as palavras,

deixar de ser servil e

pô-las ao meu serviço

e cuspir-lhes nos olhos

um desaforo qualquer,

dizer-lhes bem alto

para os vizinhos ouvirem:

“Ide para a frase que vos pariu

 

In “Geografias Dispersas”

Editora Edita-Me

 

Alexandra Malheiro

(N.1972)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito

.Eu

.pesquisar

 

.Março 2024

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
14
15
16
17
18
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

.Ano XVI

.posts recentes

. Recordando... Ricardo Gil...

. Recordando... Saúl Dias *...

. Recordando... Ruy Belo

. Recordando... Rui Miguel ...

. Recordando... Rui Pires C...

. Recordando... Sebastião d...

. Recordando... Augusto Mol...

. Recordando... Egito Gonça...

. Recordando... António Ram...

. Recordando... Maria Auror...

.arquivos

. Março 2024

. Fevereiro 2024

. Janeiro 2024

. Dezembro 2023

. Novembro 2023

. Outubro 2023

. Setembro 2023

. Agosto 2023

. Julho 2023

. Junho 2023

. Maio 2023

. Abril 2023

. Março 2023

. Fevereiro 2023

. Janeiro 2023

. Dezembro 2022

. Novembro 2022

. Outubro 2022

. Setembro 2022

. Agosto 2022

. Julho 2022

. Junho 2022

. Maio 2022

. Abril 2022

. Março 2022

. Fevereiro 2022

. Janeiro 2022

. Dezembro 2021

. Novembro 2021

. Outubro 2021

. Setembro 2021

. Agosto 2021

. Julho 2021

. Junho 2021

. Maio 2021

. Abril 2021

. Março 2021

. Fevereiro 2021

. Janeiro 2021

. Dezembro 2020

. Novembro 2020

. Outubro 2020

. Setembro 2020

. Agosto 2020

. Julho 2020

. Junho 2020

. Maio 2020

. Abril 2020

. Março 2020

. Fevereiro 2020

. Janeiro 2020

. Dezembro 2019

. Novembro 2019

. Outubro 2019

. Setembro 2019

. Agosto 2019

. Julho 2019

. Junho 2019

. Maio 2019

. Abril 2019

. Março 2019

. Fevereiro 2019

. Janeiro 2019

. Dezembro 2018

. Novembro 2018

. Outubro 2018

. Setembro 2018

. Agosto 2018

. Julho 2018

. Junho 2018

. Maio 2018

. Abril 2018

. Março 2018

. Fevereiro 2018

. Janeiro 2018

. Dezembro 2017

. Novembro 2017

. Outubro 2017

. Setembro 2017

. Agosto 2017

. Julho 2017

. Junho 2017

. Maio 2017

. Abril 2017

. Março 2017

. Fevereiro 2017

. Janeiro 2017

. Dezembro 2016

. Novembro 2016

. Outubro 2016

. Setembro 2016

. Agosto 2016

. Julho 2016

. Junho 2016

. Maio 2016

. Abril 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2016

. Janeiro 2016

. Dezembro 2015

. Novembro 2015

. Outubro 2015

. Setembro 2015

. Agosto 2015

. Julho 2015

. Junho 2015

. Maio 2015

. Abril 2015

. Março 2015

. Fevereiro 2015

. Janeiro 2015

. Dezembro 2014

. Novembro 2014

. Outubro 2014

. Setembro 2014

. Agosto 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Abril 2014

. Março 2014

. Fevereiro 2014

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Outubro 2013

. Setembro 2013

. Agosto 2013

. Julho 2013

. Junho 2013

. Maio 2013

. Abril 2013

. Março 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Setembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Junho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

. Fevereiro 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Novembro 2007

. Outubro 2007

. Setembro 2007

. Agosto 2007

. Julho 2007

. Junho 2007

. Maio 2007

. Abril 2007

.tags

. todas as tags

blogs SAPO

.subscrever feeds